Em 1982, Pelé já havia alertado para a falta de talento no futebol brasileiro e queria esporte no currículo escolar
A dupla Pelé e Garrincha encantou o mundo entre os anos 1950 e 1960. Em 1982, já aposentados, se reencontram em um bate-papo registrado pela Revista PLACAR
A dupla Pelé e Garrincha encantou o mundo entre os anos 1950 e 1960. Em 1982, já aposentados, se reencontram em um bate-papo registrado pela Revista PLACAR
Único jogador a conquistar três vezes a Copa do Mundo (1958, 1962 e 1970), Pelé segue sendo lembrado como um dos maiores jogadores de todos os tempos, mas para para conquistar esse feito, além do talento próprio, contou o Rei precisou contar também com a qualidade e parceria de diversos outros craques ao longo dos mais de 20 anos de carreira. E um dos mais marcantes e importantes é Mané Garrincha, com quem atuou na seleção brasileira.
A parceria entre Pelé e Garrincha teve início em 18 de maio de 1958, amistoso contra a Bulgária, disputado no Pacaembu. Depois disso, eles jogaram juntos em 30 partidas, com 26 vitórias e 4 empates. Quis o destino que a última partida da dupla pela seleção fosse também contra Bulgária, em 12 de julho de 1966, em jogo válido pela estreia na Copa do Mundo da Inglaterra.
Para celebrar os 80 anos de Pelé, e exaltar aquela que é considerada por muitos como a maior dupla da história do futebol mundial, o Torcedores.com resgatou uma matéria da Revista PLACAR, de novembro de 1982, que conta o reencontro do Rei com Mané. No bate-papo, um dos principais temas discutidos pelos ex-jogadores foi o momento complicado do futebol brasileiro.
Relembre alguns dos principais trechos do bate-papo que marcou o reencontro de Pelé com Garrincha:
Pelé — E a bola de hoje, Mané? Tá pequenininha, né? Cada vez mais sinto saudade de você, daqueles dribles, do povo nos estádios que vibrava com tuas entortadas nos “Joões”.
Garrincha — Olha, crioulo, eu sou instrutor da Legião Brasileira de Assistência e trabalho com 500 garotos de 10 a 14 anos. Quando comecei lá, fiz uma pesquisa. Perguntei: “quem joga no meio-campo?” Trezentos levantaram a mão. “E na defesa?” Outros 100 se apresentaram. Uns 20 ou 30 pegavam no gol. Mas não apareceu nenhum “tortinho” disposto a brincar na ponta.
Pelé — Você não acha que os culpados disso são os técnicos atuais, com essa febre de táticas e contratáticas que só resultam em retranca e antifutebol?
Garrincha —Lógico. Eu, por exemplo, deixo o moleque brincar com a bola à vontade. Depois, dou conselhos e orientações específicas aos que levam jeito para uma ou outra posição. Mas sem essa de querer fabricar jogador.
Pelé — Certo. Mas tem uma coisa que está me incomodando demais: cada vez vejo menos habilidade no jogador brasileiro. Não tem mais criança brincando de bola. Isso me preocupa tanto que cheguei a sugerir ao ex-Ministro da Educação, Eduardo Portella, um estudo para incluir futebol no currículo escolar.
Garrincha — Essa seria uma boa, crioulo. A pelada está perdendo espaço, só tem garotos jogando em campos cercados. Cadê o moleque de pé no chão batendo bola em terra dura? Isso é coisa espontânea, o começo de tudo – e o garoto precisa ser livre para tomar gosto pelo futebol.
Pelé — Por isso eu volto a repetir que o mal do nosso futebol são as táticas. Desde o dente-de-leite exigem que o menino se enquadre em esquemas. É preciso libertá-los disso.
Garrincha — Seria mesmo uma boa reunir os técnicos brasileiros, os jogadores do presente e do passado para discutir o nosso futebol.
Pelé — E nós, desde já, nos comprometemos a participar. Acho que os ‘velhinhos’ ainda podem dar alguns palpites sobre isso. Ou não?
Garrincha — Pelo menos sempre me disseram que a gente entendia um pouco de bola.
Pelé — Eu não consigo me conformar com o futebol tico-tico de hoje. O goleiro sai jogando com o lateral, o lateral dá a bola ao quarto zagueiro, e este encosta para o armador, que acaba devolvendo para o zagueiro. Ainda sou partidário do lançamento longo para frente, de 30, 40 metros, visando os atacantes. O problema é que o jogador de hoje tem problema de errar. O único time que se arrisca é o Flamengo – por isso temos poucas emoções e pouco público nos estádios.
Garrincha — Pior é que todo mundo põe a culpa na retranca, mas continua bolando esquemas cada vez mais fechados. No meu tempo, eu marcava lateral até o meio-campo: se ele se mandasse, melhor para mim. Era só esperar o lançamento nas suas costas e partir para a linha de fundo.
Garrincha — Na Copa de 1962 foi uma pena você ter se machucado. Eu dei sorte, fiz gols… Mas jamais vou esquecer da partida contra os russos em 1958.
Pelé — Foi a primeira partida que disputamos juntos. Era a estreia de nós dois na Copa e vencemos por 2 a 0, dois gols do Vavá. Você enlouqueceu os russos. Logo na primeira bola, entortou três.
Garrincha — Nunca te perguntaram se hoje conseguiríamos jogar da mesma maneira que jogávamos há dez, quinze anos?
Pelé — Me perguntam a toda hora.
Garrincha — Acho que não teria nenhuma diferença.
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