Home Futebol Entendendo o jogo de posição (PARTE IV) – Os conceitos de Jorge Sampaoli aplicados num ofensivo e envolvente Atlético-MG

Entendendo o jogo de posição (PARTE IV) – Os conceitos de Jorge Sampaoli aplicados num ofensivo e envolvente Atlético-MG

Na quarta parte do especial sobre o “jogo de posição”, Luiz Ferreira analisa a aplicação dos conceitos do treinador argentino nas suas equipes

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

Na quarta parte do especial sobre o “jogo de posição”, Luiz Ferreira analisa a aplicação dos conceitos do treinador argentino nas suas equipes

Você já sabe que o “jogo de posição” não nasceu neste século. A filosofia adotada por alguns dos grandes treinadores da atualidade tem suas origens fincadas com os escoceses e o “passing game” no século XIX, teve suas ideias adaptadas por Jack Reynolds e Vic Buckingham no Ajax e amplamente consolidadas (e copiadas até hoje) por Rinus Michels e Johan Cruyff. O holandês Louis Van Gaal organizou as coisas para que Pep Guardiola fosse o responsável por transformar o “jogo de posição” em estratégia vencedora com o histórico Barcelona de 2011. Chegou a hora de conferirmos como essa filosofia, essa maneira de se entender o futebol é aplicada aqui por estas bandas. E um dos grandes nomes que utilizam esses conceitos é Jorge Sampaoli, técnico do Atlético-MG. Como o argentino pensa suas equipes? Como ele aplica essas ideias? É o que você vai ver a seguir.

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Jorge Sampaoli iniciou sua carreira como treinador em meados dos anos 1990, quando passou por uma série de equipes de divisões inferiores na Argentina. Ficou conhecido depois de comandar a impressionante Universidad de Chile campeã da Copa Sul-Americana de 2011 com um futebol vibrante, ofensivo e altamente envolvente. Adepto das ideias de Marcelo “El Loco” Bielsa, Sampaoli resgatou grande parte das ideias do seu mentor em “La U” e ganhou as manchetes da imprensa esportiva na América do Sul. Quatro anos depois, estaria no comando da Seleção do Chile na conquista da primeira competição internacional da história de “La Roja”: a Copa América. Em entrevista ao jornal Lance! (em 2012), o hoje técnico do Atlético-MG já mostrava que seus conceitos deveriam ser respeitados e várias semelhanças com a filosofia implementada por Louis Van Gaal no Barcelona.

Sampaoli comandou o Chile na Copa do Mundo de 2014, passou pelo Sevilla e foi o treinador da Argentina na Copa de 2018, na Rússia, onde conviveu com um verdadeiro caos na “Albiceleste”. Meses depois, assinaria com o Santos e levaria o Peixe a um surpreendente vice-campeonato brasileiro. Após brigar com a diretoria santista, foi para Belo Horizonte, onde assinou com o Atlético-MG, clube onde já mostrou como pensa suas equipes. Assim como pensava Marcelo Bielsa, a defesa começa no ataque. E o “jogo de posição” defendido por Sampaoli é caracterizado por uma forte pressão no homem da bola de modo a recuperar a posse e voltar a atacar com máxima intensidade e velocidade. Foi assim no Santos e tem sido desse jeito no Galo. A segunda colocação na tabela do Campeonato Brasileiro não surgiu por obra do acaso. Sampaoli tem um plano bem elaborado e bem executado.

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A pressão pós-perda é uma das grandes características dos times de Jorge Sampaoli e do “jogo de posição” adotado pelo argentino. Note que, enquanto os jogadores do Atlético-MG pressionam o adversário, outros três já posicionam o corpo para avançar para a área adversária e receber o passe na frente. Foto: Reprodução / Premiere.

É nesse ponto que fazemos uma pausa para falar de Juanma Lillo, auxiliar de Pep Guardiola no Manchester City e de Sampaoli nos seus tempos de Sevilla. Mesmo sem conquistar nenhum título de expressão em mais de 20 anos de carreira, o espanhol praticamente criou o “jogo de posição” como conhecemos hoje ao adaptar conceitos estudados e implementados desde os tempos de Jimmy Hogan, treinador inglês que revolucionou a maneira de jogar futebol na Europa no início do Século XX, e chegando até Johan Cruyff, Louis Van Gaal e (é claro) Pep Guardiola, um dos seus grandes admiradores. Juanma Lillo foi, inclusive, um dos primeiros a adotar o amplamente conhecido 4-2-3-1 quando dirigia o Cultural Leonesa, na segunda divisão espanhola em 1991/92. O objetivo? Pressionar o adversário e tentar roubar a bola na parte alta do campo, segundo o próprio. E deu muito certo.

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Mas o que isso tem a ver com Sampaoli e como Juanma Lillo influenciou o trabalho do argentino? O espanhol foi um dos resposnáveis por colocar no papel (juntamente com Paco Seirulo no Barcelona) todos os conceitos do “jogo de posição”. A tradução daquela visão coletiva e até mesmo social de se entender o futebol traz ideias bem claras. Algumas delas são as seguintes:

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  • Fixar jogadores adversários num setor para criar superioridade numérica em espaços-chave do campo.
  • Eliminar adversários com a condução da bola.
  • Criar linhas de passe constantes para aqueles que estão com a posse.

Voltando a Jorge Sampaoli, o argentino também adota várias das ideias de Juanma Lillo nas suas equipes. A “inversão da pirâmide” tão falada nos últimos meses, inclusive, nasce dos conceitos apontados acima. Note como os jogadores do Atlético-MG se posicionam de modo a criar superioridade numérica na chamada “zona de definição”. E quem espera ver um time estático, acaba vendo os jogadores mais soltos e trocando de posição a todo momento. Eduardo Sasha (o atacante de referência na escalação) aparece mais pelo lado esquerdo, Hyoran aparece no meio, Guilherme Arana é quase um “ponta-esquerda” e Mariano joga quase como um volante pela direita. Confuso? Não quando a disposição dos atletas em campo tem como objetivo claro desestabilizar o adversário e buscar a tão falada superioridade numérica dentro das quatro linhas. Coisa que Sampaoli fez e faz muito bem nos seus times.

A “pirâmide invertida” não é feita por acaso nos times de Jorge Sampaoli. O objetivo do 2-3-5 é desestabilizar o adversário e buscar superioridade numérica dentro do “jogo de posição” adotado pelo argentino. Os jogadores percorrem diversos setores do campo sem, no entanto, desfazer a formação apontada do treinador. Foto: Reprodução / Premiere.

Há quem pensa que existe apenas uma única maneira de se realizar esse “jogo de posição” e que ele tende a deixar as equipes mais estáticas no setor ofensivo e expostas na defesa com a linha alta utilizada pelos adeptos da filosofia tema desta série de reportagens. Talvez um dos grandes exemplos que refutam essa tese seja o Chile campeão da Copa América de 2015 também comandado por Jorge Sampaoli. Quem via a escalação inicial de “La Roja” antes da partida decisiva contra a Argentina poderia pensar que o treinador escalou sua equipe num 4-4-2 sem centroavante fixo. O que se viu, no entanto, foi uma série de formações sendo utilizadas pelo escrete chileno. Desde o 3-4-1-2 com o recuo de Marcelo Díaz para a zaga até um 4-3-1-2 com a movimentação de Valdívia na intermediária. Tudo era feito com muito sincronismo, velocidade e intensidade. Tal como Sampaoli gosta.

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Argentina vs Chile - Football tactics and formations

O Chile de Jorge Sampaoli jogava sem atacante de referência, variava o esquema tático durante as partidas e abusava da intensidade nas transições. A partida contra a Argentina (na decisão da Copa América) foi uma demonstração da força de “La Roja” e da consolidação de um estilo de jogo bem definido pelo seu treinador.

Sampaoli sempre defendeu a utilização de “extremos pulsantes”, jogadores que lembram os pontas dos anos 1960 e 1970 e que têm a responsabilidade de receber a bola e levá-la até a área, na chamada “zona de definição”. Por isso que o treinador argentino faz tanta questão de jogadores que entendam seu estilo de jogo (como Soteldo e Marinho nos seus tempos de Santos). No entanto, quem fazia esse movimento no Chile campeão da Copa América se Vargas e Alexis Sánchez quase sempre aproveitavam o espaço aberto por Valdívia no ataque para entrar em diagonal? Quem dava amplitude ao time eram os laterais/alas Isla (hoje no Flamengo) e Beausejour. O recuo de Marcelo Díaz permitia que os dois se lançassem ao ataque e se comportassem como os tais “extremos pulsantes” que Sampaoli desejava. Não por acaso, os dois fizeram uma grande Copa América com ótimos passes e boa marcação.

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Isla e Beausejour (os laterais/alas do 3-4-1-2 de Sampaoli) partiam para o ataque como verdadeiros pontas e davam a amplitude ao time chileno. Os dois tiveram grande participações nas jogadas ofensivas e não comprometiam na marcação durante a campanha vitoriosa da Copa América. Foto: Reprodução / YouTube / Pasión Por La Roja

É interessante notar que o Chile campeão da Copa América de 2015 e o Atlético-MG de 2020 possuem características semelhantes. Isla e Beausejour se comportavam como alas no ataque e como laterais no momento em que a equipe era atacada. Exatamente a mesma dinâmica que Guilherme Arana executa no time do Galo. Quando se fala no tal “jogo de posição”, é preciso entender que cada jogador tem uma função específica em campo. É por isso que Guardiola escalava Xabi Alonso e Alaba como zagueiros no Bayern de Munique e Sampaoli. A posição de origem acaba dando lugar à função dentro de campo. Mariano, que tem bom passe, joga mais por dentro, e Arana, mais ofensivo, sai mais para o ataque. O mesmo acontecia com “La Roja” campeã continental. Se o time atacava no 3-4-1-2, se defendia no 4-3-3 e variava seus desenhos táticos conforme a necessidade que o jogo colocava.

Isla e Beausejour atacavam como pontas e recuavam como laterais conforme a necessidade da partida. O Chile campeão sul-americano de 2015 aliava organização e muita intensidade dentro do “jogo de posição” defendido por Jorge Sampaoli. Cada atleta sabia a função que tinha que desempenhar dentro de campo. Foto: Reprodução / YouTube / Pasión Por La Roja

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Jorge Sampaoli é adepto das ideias de Marcelo Bielsa e Johan Cruyff. Isso fica ainda mais nítido quando vemos suas equipes em campo. O apreço pela posse de bola, a marcação por pressão no adversário, o “jogo de posição” que aplica a “pirâmide invertida” e traz esquemas táticos do início do futebol (principalmente o 2-3-5 e o 3-2-5, dependendo da situação). Sampaoli não foi o pioneiro e nem será o último a utilizar essa filosofia nascida ainda no século XIX com o “passing game” dos escoceses e com a filosofia de Jimmy Hogan (treinador que merece um especial só dele por sua importância na formação de jogadores nos primórdios do velho e rude esporte bretão). E mesmo com todas essas influências, Jorge Sampaoli consegue colocar seu estilo pessoal em cada uma das suas equipes. Foi assim na Universidad de Chile, na Seleção Chilena, no Santos e agora no Atlético-MG.

A quinta e última parte do especial sobre o “jogo de posição” vai trazer um resumo das ideias de Domènec Torrent na remontagem do Flamengo após a saída de Jorge Jesus. O choque de filosofias e estilos é algo que merece ser estudado e analisado por quem vem criticando o treinador catalão nesses últimos dias.

FONTES DE PESQUISA:

BLOG PAINEL TÁTICO: Cruyff, Michels e van Gaal: as origens do Jogo de Posição, filosofia que une Sampaoli e Torrent
BLOG PAINEL TÁTICO: Como pensa Juanma Lillo, guru e agora auxiliar de Pep Guardiola no City
BLOG PAINEL TÁTICO: Dois gols que explicam o que Sampaoli pensa sobre futebol
A Pirâmide Invertida, por Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos, por Mauro Beting (Editora Contexto)
Guardiola Confidencial: Um ano dentro do Bayern De Munique acompanhando de perto o técnico que mudou o futebol para sempre, por Marti Peranau (Editora Grande Área)

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LEIA MAIS:

Entendendo o jogo de posição (PARTE I) – Origens e conceitos

Entendendo o jogo de posição (PARTE II) – Johan Cruyff, Louis van Gaal e a revolução do Barcelona

Entendendo o jogo de posição (Parte III) – O auge da filosofia com Pep Guardiola e a tal da pirâmide invertida

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