Entendendo o jogo de posição (PARTE II) – Johan Cruyff, Louis van Gaal e a revolução do Barcelona
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa outros aspectos do jogo de posição na segunda parte da série de matérias especiais; Cruyff dá sequência ao trabalho de Rinus Michels e Louis Van Gaal organiza tudo como conhecemos hoje
Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa outros aspectos do jogo de posição na segunda parte da série de matérias especiais; Cruyff dá sequência ao trabalho de Rinus Michels e Louis Van Gaal organiza tudo como conhecemos hoje
O hoje conhecido e amplamente difundido “jogo de posição” tem suas origens marcadas nos primeiros anos do futebol, quando os escoceses ajudaram a difundir o “passing game” como alternativa ao “kick and rush” praticado na Inglaterra. Jack Reynolds e Vic Buckingham (ambos ingleses) levaram suas ideias de valorização da posse de bola e trabalho dos talentos em campo para a Holanda e começaram a moldar um Ajax que se transformaria num dos grandes clubes do mundo a partir do início da década de 1970. Foi somente com Rinus Michels e o time histórico que venceria a Liga dos Campeões da UEFA três vezes consecutivas contando com nomes como Johan Neeskens, Piet Keizer, Ruud Krol, Johnny Rep e a lenda Johan Cruyff. E foi este último quem deu sequência ao trabalho iniciado nos anos 1940 com o Barcelona que ficaria conhecido como “Dream Team” já no início da década de 1990.
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Cruyff deixou o Barcelona para se aventurar no futebol dos Estados Unidos após a conquista da Copa do Rey de 1977/78. Retornaria à Catalunha dez anos depois agora para comandar o escrete blaugrana do banco de reservas. O antigo camisa 14 do Ajax e da Seleção Holandesa compartilhava a visão que Vic Buckingham sobre posse de bola, mas simplesmente detestava passes sem sentido no meio-campo e tentava acabar com qualquer vestígio de previsibilidade na sua equipe. Ao mesmo tempo, mostrava um grande apreço pelo 3-4-3, desenho tático que trazia uma linha de três defensores, meio-campo em formato de diamante e três atacantes. Na prática, quase um 3-3-1-3 (ou até mesmo um 3-3-4) bem espalhado dentro de campo. Foi com essa formação que Cruyff montou o histórico Barcelona que conquistou a primeira Liga dos Campeões da UEFA da história do clube catalão. Isso na edição de 1991/92.
O chamado “Dream Team” foi montado a partir dessa formação preferida de Cruyyf. A começar pelo gol, com a lenda Zubizarreta. A linha defensiva trazia Nando, Ferrer e Ronald Koeman, sendo este último o líbero da equipe blaugrana. Mais à frente, Guardiola (aquele mesmo) organizava as jogadas e acionava os alas Juan Carlos Rodríguez (que não avançava tanto ao ataque) pela esquerda e Eusebio pelo outro lado. Salinas e Stoichkov entrando em diagonal e aproveitando os espaços deixados por Michael Laudrup e Bakero, os dois jogadores que se revezavam no comando de ataque e na ponta do diamante. O dinamarquês também trocava de posição com Stoichkov e aparecia mais atrás armando pela ponta, permitindo que os demais atacantes chegassem em velocidade buscando os espaços vazios. A ideia é que os jogadores se transformasse em “homens livres” e definissem rapidamente as jogadas.
“Quando você joga uma partida, é estatisticamente comprovado que os jogadores ficam com a bola, em média, três minutos. O mais importante é o que você faz durante os outros 87 minutos em que não tem a bola. Isso que determina se você é bom jogador ou não”. Essa frase resume bem o “jogo de posição” defendido com unhas e dentes por Cruyff. Para ele, a posse de bola deve provocar surpresa e não ser previsível e o controle dos espaços dentro das quatro linhas era fundamental para que os atacantes encontrassem espaço para jogar. Como os tais “homens livres” mencionados anteriormente. Cruyff deixou um legado enorme em termos de filosofia no Barcelona. Já naqueles tempos, o holandês dividia os ataques em fases e estimulava treinos com toque de bola. Seu trabalho só foi superado pelo gênio difícil, resultando em diversas brigas e na sua demissão em 1996.
O Barcelona campeão da Liga dos Campeões da UEFA de 1991/92 foi montado em cima do 3-4-3 (ou 3-3-1-3) preferido de Johan Cruyff. Laudrup e Bakero trocavam de posição a todo instante e a armação das jogadas ficava a cargo de Guardiola e Koeman. A equipe ficaria conhecida como “Dream Team” e ficaria ainda mais “rebelde” com a chegada de Romário no ano seguinte.
O “jogo de posição” como conhecemos hoje (claro que com todas as particularidades de cada época) ganharia ainda mais força depois que o holandês Louis Van Gaal levou o Ajax ao título da Liga dos Campeões da UEFA em 1995 vencendo o Milan na decisão. A equipe jogava no mesmo 3-4-3 preferido de Cruyff e controlava os espaços com movimentos em torno da bola. Os jogadores mais próximos criavam as linhas de passe e os mais distantes guardavam a posição e ficavam prontos para o passe mais longo. Ao mesmo tempo, Van Gaal também teve a perspicácia de usar os conceitos de marcação alta do Milan de Arrigo Sachi no final dos anos 1980. Seu Ajax controlava o espaço como queria e contava com nomes como o goleiro Van der Sar, os já veteranos Frank Rijkarrd e Danny Blind, Kluivert, Overmars, Reizeger, Seedorf, Davids, o nigeriano George Finidi e o finlandês Jari Litmanen.
Louis Van Gaal conhecia bem a filosofia de Rinus Michels e a rebeldia de Johan Cruyff por conta do seu período como jogador do Ajax no início dos anos 1970. Mas o que chamava a atenção era a sua ligação com Leo Beenhakker, treinador com quem trabalhou como assistente no próprio Ajax e um dos maiores inimigos de Cruyff. E diante do cenário que se desenhava no futebol com a revolução do “jogo de posição”, Van Gaal sentiu que havia a necessidade de se colocar tudo no papel, isto é, criar uma espécie de manual para fazer o time ter a posse da bola, usar a linha de impedimento e ocupar os espaços para desequilibrar o adversário. O Ajax de 1995, com sua movimentação e disposição tática (ainda que Van Gaal não fosse contrário às ligações diretas desde que fossem a melhor opção para cada momento), já jogava um futebol muito parecido com o que temos hoje em dia.
O Ajax campeão da Liga dos Campeões da UEFA de 1994/95 jogava no 3-4-3 preferido de Cruyff, mas encontrou em Van Gaal o homem certo para atualizar as ideias de Rinus Michels sobre o “jogo de posição”. A equipe era veloz, marcava em cima, valorizava bem a posse da bola e ocupava bem os espaços. Destaque para Rijkaard, Blind, Seedorf e Davids.
Contratado pelo Barcelona em 1997, Louis Van Gaal implantou uma nova metodologia de treinos junto com Paco Seirulo, estudioso do futebol formado na base do clube catalão. Foi dessa parceria que surgiram algumas das ideias do “jogo de posição” que podem ser facilmente encontradas nos times de Pep Guardiola e Jorge Sampaoli. Seirulo, inclusive, criou uma espécie de “manual” dessa filosofia de jogo trazida por Johan Cruyff, dando nomes a tudo que o antigo treinador pedia para sua equipe fazer e trazendo orientações bem específicas. Algumas delas são as seguintes:
- O jogador sozinho num determinado espaço de campo passou a ser chamado de “homem livre”;
- Os jogadores espalhados pelo campo cumpriam movimentações específicas: arrastar, atrair ou fixar seus adversários;
- O jogador só pode passar a bola se toda a equipe estiver numa condição propícia para manter a posse da mesma
- Quem se movimenta no espaço precisa criar algum tipo de relação com o companheiro de equipe (as chamadas “distâncias de relação).
Louis Van Gaal fez uma apresentação com 78 slides com toda a metodologia e conceitos assim que foram apresentados pelo clube catalão aos jogadores: “A filosofia do FC Barcelona é a de que a equipe é o mais importante. O time é mais importante do que qualquer jogador. E os jogadores têm a obrigação de conhecer e defender as ideias do clube”. As rusgas públicas com o brasileiro Rivaldo (melhor jogador do mundo em 1999), que insistia em jogar mais centralizado quando Van Gaal exigia que ele jogasse aberto pelo lado esquerdo acabaria por marcar a passagem do treinador holandês pelo escrete blaugrana. Com o tempo, os “rondos” (tipo de treino que deixa o passe mecanizado e faz com que jogadores se afastem da bola rapidamente quando o companheiro de equipe recebe) foram sendo implantados em todas as categorias de base do Barcelona. Uma verdadeira revolução.
Um dos slides da apresentação de Loius Van Gaal no Barcelona trazia o sistema de jogo (o 4-3-3) e os movimentos que cada jogador deveria fazer dentro de campo. O diagrama já mostra, inclusive, o início da inversão da pirâmide e a variação para um 2-3-5 bem ao gosto de Guardiola.
Louis Van Gaal permaneceria no clube até o ano 2000, tendo conquistado dois títulos espanhóis (1997/98 e 1998/99), uma Copa do Rey (1997/98) e uma Supercopa da UEFA (1997) ao bater o então campeão europeu e mundial (o Borussia Dortmund) por 2 a 0 com gols de Luís Enrique e Rivaldo. Van Gaal, Paco Seirulo e um português chamado José Mourinho promoveram nomes como Victor Valdés, Carles Puyol, Xavi Hernández e Andrés Iniesta para o time principal. Jogadores que entrariam para a história do Barcelona comandados por um ex-jogador do “Dream Team” de Johan Cruyff e levaria o “jogo de posição” ao seu ápice: Pep Guardiola. O trabalho do espanhol (incluindo suas passagens pelo Bayern de Munique e pelo Manchester City), será o tema da terceira parte do nosso especial sobre o “jogo de posição”.
FONTES DE PESQUISA
BLOG PAINEL TÁTICO: Cruyff, Michels e van Gaal: as origens do Jogo de Posição, filosofia que une Sampaoli e Torrent
TRIVELA: As 14 melhores frases de Johan Cruyff, o craque que jogava com o cérebro
BUSINESS INSIDER: Why Louis Van Gaal, Manchester United’s mad genius, is such a good coach
ESQUEMAS TÁTICOS: Barcelona 1 x 0 Sampdoria / Copa dos Campeões da Europa 1992 / Análise tática
A Pirâmide Invertida, por Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Tática Mente: A história das Copas explicada pelas cabeças e pranchetas dos treiandores, por Paulo Vinícius Coelho (Editora Saraiva)
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