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Entendendo o jogo de posição (PARTE I) – Origens e conceitos

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a filosofia adotada por vários nomes do futebol mundial na primeira parte da série de matérias especiais; jogo de posição tem origens na Inglaterra e se consolidou na Holanda com Cruyff e Rinus Michels

Por Luiz Ferreira em 29/08/2020 17:15 - Atualizado há 10 meses

Reprodução / Facebook / The English Game

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a filosofia adotada por vários nomes do futebol mundial na primeira parte da série de matérias especiais; jogo de posição tem origens na Inglaterra e se consolidou na Holanda com Cruyff e Rinus Michels

Você já deve ter ouvido falar em “jogo de posição” várias e várias vezes nesses últimos dias. Principalmente após a chegada de Domènec Torrent ao Flamengo. Auxiliar de Pep Guardiola no Barcelona, no Bayern de Munique e no Manchester City, Dome faz parte de um seleto grupo de treinadores adeptos dessa filosofia e dessa maneira de enxergar o velho e rude esporte bretão, dentre os quais podemos citar o próprio Guardiola, Jorge Sampaoli, Johan Cruyff, Louis Van Gaal e o grande Rinus Michels. É preciso dizer antes de mais nada que o chamado “jogo de posição” não é um esquema tático, não se trata apenas de posse de bola e nem é um estilo que vai deixar os jogadores estáticos em campo. A palavra “filosofia” não foi utilizada por acaso. A maneira como ele surgiu há mais de um século não deixa de ser, inclusive, um modo de se enxergar a vida (já retratada em série na Netflix).

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A série em questão se chama “The English Game”. Ela conta a história (com alguns toques de licença poética) do escocês Fergus Suter (o primeiro jogador profissional da história) e o futebol jogado nos anos 1880 na Inglaterra junto com outros personagens importantes. Como Arthur Kinaard, filho de banqueiros, fundador do Old Etonians e defensor de um jeito mais “aristocrático” de se jogar o “football”. Logo no primeiro capítulo da série vemos o embate entre o “kick and rush” (“chute e corra” numa tradução literal) adotado por equipes mais tradicionais e o “passing game” (“jogo de passes”) estratégia utilizada pelos escoceses e (num primeiro momento) pelos times formados por operários na Inglaterra. A fala de Fergus Suter durante o intervalo entre Old Etonians e Darwen pela FA Cup (partida que realmente aconteceu e terminou empatada em 5 a 5) é emblemática.

Parece óbvio para quem acompanha futebol hoje, mas o embate ideológico entre essas duas linhas foi algo bastante presente na Inglaterra por muito tempo. E conforme os anos foram passando, o velho e rude esporte bretão foi caindo no gosto popular. Tal como o “passing game” dos escoceses, tido como mais agradável e mais bonito de se ver. No entanto, ainda sem espaço na Terra da Rainha, vários defensores de um estilo mais baseado no “passing game” tiveram que deixar o país em busca de lugares propícios para o recebimento de novas ideias. Dois desses ingleses insatisfeitos eram Jack Reynolds e Vic Buckingham. Os dois encontraram no futebol holandês o terreno fértil para implantar seus conceitos baseadas no jogo coletivo e na posse da bola. E isso num tempo em que a Holanda ainda vivia os últimos anos do amadorismo e sofria para se adaptar ao profissionalismo.

Jack Reynolds foi um ponta de carreira bem modesta e atuou em times como Grimsby Town, Sheffield Wednesday e Watford. Ao todo, permaneceu no Ajax por 25 anos e treinou ninguém mais, ninguém menos do que Rinus Michels. Além disso, reestruturou o sistema das categorias de base dos “Godenzonen” (“filhos dos deuses” em holandês) e chegava a permanecer por mais 14 horas dentro do clube. Tudo para garantir que todos atletas jogassem o mesmo estilo de futebol. Já Vic Buckingham era ainda mais radical: “O futebol de posse é o caminho. Não chutar e não correr. (…) O futebol de bolas longas é muito arriscado. Na maior parte do tempo, o que dá resultado é o talento bem trabalhado. Se você tem a bola, fique com ela. O outro time não poderá fazer gols“, afirmou em entrevista concedida a David Winner e reproduzida no livro “Brillant Orange”. Era o fundamento básico do “passing game”.

Eis que entra Rinus Michels. Ele assumiu o Ajax em 1965 e salvou o time do rebaixamento após a demissão de Vic Buckingham. Na temporada seguinte, conquistaram o campeonato nacional. No entanto, o time sofria com um problema crônico: a fragilidade do sistema defensivo. Embora a equipe fosse muito bem no ataque e fizesse grandes jogos contra equipes mais tradicionais em /competições europeias, o Ajax levava gols demais. Reza a lenda que Rinus Michels encontrou a solução depois de assistir à decisão da Copa Intercontinental de 1970, onde o Estudiantes de La Plata (comandado por Osvaldo Zubeldía) foi um oponente fortíssimo para o Feyenoord (primeiro time holandês a conquistar a Liga dos Campeões). A linha de defesa do escrete argentino jogava em linha e avançava sempre que o Estudiantes precisava se defender ao invés de recuar como quase todos os times da época faziam.

Na conversa no vestiário, Zubeldía explicou a Michels que a ideia da linha alta era deixar os atacantes adversários em impedimento e diminuir os espaços entre a defesa e o meio-campo. O holandês ficou tão fascinado com a estratégia que a utilizou no Ajax e deu a seguinte orientação a seu sistema defensivo: os jogadores deveriam acompanhar Johan Neeskens saísse à caça do criador de jogadas da equipe adversária. A ideia ia de encontro com a orientação dada a todo e qualquer zagueiro. Principalmente no futebol brasileiro, onde um defensor dá cobertura a outro que sai para marcar o atacante. É algo difícil de ser praticado. Mas quando funciona, se torna uma verdadeira arma de ataque por não permitir que a equipe adversária consiga chegar na sua intermediária. Exatamente como Jorge Jesus fez no Flamengo em 2019. E como Ajax e Holanda fizeram nos anos 1970.

A Holanda vice-campeã do mundo em 1974 é descendente direta das ideias de Jack Reynolds e Vic Buckingham e do trabalho do Rinus Michels no Ajax a partir da segunda metade da década de 1960. Posse de bola, linha alta, marcação forte na intermediária adversária, todos os conceitos estão lá.

Marinho Peres, zagueiro da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1974 e companheiro de Cruyff no Barcelona, explicou bem esse choque de ideias em depoimento colhido e reproduzido pelo jornalista Jonathan Wilson, no seminal “A Pirâmide Invertida” (livro altamente necessário para os amantes do futebol e que este que escreve indica sempre que há a oportunidade). “O que Cruyff me disse foi que a Holanda não conseguia enfrentar os brasileiros e argentinos, que eram muito talentosos, num campo espaçoso. (…) Os jogadores holandeses queriam diminuir os espaços e colocar todo mundo numa faixa estreita do campo. A lógica da armadilha do impedimento é espremer o jogo. Isso era muito novo pra mim. No Brasil, as pessoas pensavam que bastava jogar a bola por cima e alguém conseguiria superar a armadilha do impedimento, mas não é assim porque você não tem tempo.

Falando nele, Johan Cruyff se transformou no expoente máximo do Ajax do final dos anos 1960 e do início dos anos 1970. Revelado por Vic Buckingham em 1965, acabaria marcado pela rebeldia que caracterizou muito bem aquele período: fumava, não obedecia ordens e queria ser muito mais do que “apenas” um atacante, fato que causava a ira do autoritário Rinus Michels. Mesmo assim, foi a escolha certa para o Barcelona conquistar a La Liga de 1973/74 depois de um jejum de 13 temporadas. E com direito a goleada por 5 a 0 sobre o Real Madrid em pleno Santiago Bernabéu com Cruyff jogando o fino da bola. Pouca gente percebeu a “revolução” que se iniciou ali, mas aquele Barcelona envolvente, intenso e de esquema bastante fluido seria o gérmen de uma verdadeira filosofia de jogo e de uma maneira única de se entender o velho e rude esporte bretão dali a alguns anos.

O Barcelona campeão espanhol em 1973/74 aliava a “rebeldia” de Cruyff, os conceitos de Rinus Michels e um futebol alegre e de intensa movimentação. A equipe saía do 4-3-3 para um 3-2-5 conforme a movimentação do craque holandês e dos defensores. A “revolução” estava finalmente consolidada.

Aquele Barcelona ainda ganharia a qualidade de Johan Neeeskens, mas o time só venceria a Copa do Rey em 1977/78 com uma vitória por 3 a 1 sobre o Las Palmas (que contava com o argentino Brindisi) e amargaria mais um longo jejum de títulos em La Liga. O “jogo de posição” como conhecemos hoje ainda demoraria mais alguns anos para conquistar seu espaço. Assim como o Barça de Cruyff. O holandês retornaria anos mais tarde como treinador e seria o responsável por inaugurar uma nova era no futebol com um escrete que ficaria conhecido como “Dream Team” no início dos anos 1990 após a conquista da Liga dos Campeões da UEFA de 1991/92. O “rebelde” apaixonado pelas ideias de Jack Reynolds e Vic Buckingham (principalmente este último) e que odiava a previsibilidade dos passes sem sentido também seria o mentor de um espanhol chamado Pep Guardiola.

A segunda parte do especial sobe o “jogo de posição” vai trazer a consolidação da filosofia nascida no final do século XIX, as ideias de Johan Cruyff no Barcelona, o trabalho de Louis Van Gaal no histórico Ajax de 1995, a consolidação definitiva da metodologia no Barcelona e o início da inversão da pirâmide.

FONTES DE PESQUISA:

BLOG PAINEL TÁTICO: Cruyff, Michels e van Gaal: as origens do Jogo de Posição, filosofia que une Sampaoli e Torrent
BLOG RESENHA TÁTICA: No Barcelona de 1974, Xavi, Iniesta e Messi, “juntos, em um Cruyff, único!”
A Pirâmide Invertida, por Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
As melhores seleções estrangeiras de todos os tempos, por Mauro Beting (Editora Contexto)

LEIA MAIS:

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