Uma decisão, um Time de Guerreiros e dois predestinados: os 25 anos do gol de barriga
O TORCEDORES.COM relembra a decisão do Campeonato Carioca de 1995 e o famoso gol marcado por Renato Gaúcho; time do Fluminense não tinha tanto apelo, mas derrotou o Flamengo de Sávio e Romário numa partida emocionante no ano do centenário do maior rival
O TORCEDORES.COM relembra a decisão do Campeonato Carioca de 1995 e o famoso gol marcado por Renato Gaúcho; time do Fluminense não tinha tanto apelo, mas derrotou o Flamengo de Sávio e Romário numa partida emocionante no ano do centenário do maior rival
Os torcedores mais jovens só devem conhecer Renato Gaúcho pelo seu (excelente) trabalho à frente do Grêmio e pelas suas bravatas e fanfarronices com imprensa e jogadores. O que esses mesmos torcedores podem não saber é que ele é um dos nomes mais folclóricos do futebol brasileiro, tendo marcado seu nome na história de clubes como Flamengo, Cruzeiro, o já mencionado Grêmio e o Fluminense. Foi vestido as cores do Tricolor das Laranjeiras, no entanto, que Renato Gaúcho seria responsável por um dos momentos mais emocionantes da história do Maracanã e do Campeonato Carioca. No dia 25 de junho de 1995, o então camisa 7 do Flu marcaria o famoso “gol de barriga” decretando, desse modo, a vitória da sua equipe sobre o Flamengo de Romário, Sávio e Vanderlei Luxemburgo por 3 a 2 diante de mais de 120 mil pessoas. O Fluminense conquistava o título estadual depois de dez temporadas e no ano do centenário do maior rival. Tudo graças a um Time de Guerreiros e a uma barriga predestinada.
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O grande favorito ao título estadual daquele ano de 1995 não poderia ser outro senão o Flamengo. O então presidente Kléber Leite montou um time que foi considerado por muitos como o melhor do país (pelo menos no papel) por boa parte da imprensa esportiva. O dirigente trouxe Vanderlei Luxemburgo do Palmeiras (que havia acabado de ser bicampeão brasileiro) para comandar um elenco formado por nomes como o ótimo zagueiro Jorge Luís, o tetracampeão Branco, o polivalente Fabinho e um jovem revelado nas categorias de base do clube (e incrivelmente habilidoso) chamado Sávio. Além deles, Kléber Leite teve a ousadia de trazer Romário do Barcelona um ano depois do Baixinho ter levantado a Copa do Mundo e se tornado o melhor jogador do planeta. E a estreia com a camisa rubro-negra se deu justamente num Fla-Flu. A partida (válida pela quinta rodada do Campeonato Carioca daquele ano) terminou sem que ninguém conseguisse tirar o zero do placar.
https://twitter.com/MengaoRetro/status/958130090789031936
Já o Fluminense contava com um time de bons jogadores mas sem nenhum grande apelo. O elenco tricolor contava com nomes experientes como os meias Djair e Aílton que, apesar de terem muita qualidade, não eram lá muito queridinhos pela imprensa esportiva. Ainda havia o zagueiro “de roça” Lima, o bom lateral-esquerdo Lira, os atacantes Leonardo e (Super) Ézio, além do goleiro Welerson. Mas nenhuma contratação faria tanto barulho como a de Renato Gaúcho. Já com 32 anos e na reta final de carreira, o camisa 7 e ex-atleta de Flamengo e Botafogo chegava às Laranjeiras com as bravatas em dia, um discurso conciliador com a torcida e a promessa de que o Fluminense acabaria com o jejum de dez anos sem títulos estaduais. Apesar da estreia no campeonato estadual com derrota para o Madureira (1 a 0 em Conselheiro Galvão), o Tricolor das Laranjeiras (comandado por Joel Santana) conseguiria a classificação para a fase decisiva após boas atuações nos clássicos.
O regulamento do Campeonato Carioca de 1995 era dividido em duas fases. A primeira foi disputada por dezesseis clubes divididos em dois grupos com oito equipes cada um. Todos jogavam entre si em turno e returno sem cruzamento e os melhores de cada grupo faziam a final da Taça Guanabara em turno único. Ao invés da disputa de uma segunda fase nos moldes do primeiro, os quatro melhores de cada grupo se classificavam para o octogonal final do Campeonato Carioca dividido igualmente em turno e returno. Os “campeões” de cada turno nos grupos dentro da primeira fase e o campeão da Taça Guanabara entravam no octogonal com um ponto de bonificação. Com isso, o favoritismo do Flamengo só aumentou quando os comandados de Vanderlei Luxemburgo conquistaram a Taça Guanabara ao bater o Botafogo por 3 a 2 no famoso episódio protagonizado pelo zagueiro alvinegro Márcio Theodoro no terceiro gol rubro-negro. Parecia que o tão sonhado título no ano do centenário estava próximo.
23 de Março, 1995: Uh, tererê! 3x Romário 🏆
Na final da Taça Guanabara @RomarioOnze marca três vezes e o Flamengo vence o Botafogo por 3×2, conquistando sua 12ª Taça Guanabara
"Olelê, olalá, Romário vem ai, e o bicho vai pegar"
🎙 Luciano do Valle
📺 @BandTV pic.twitter.com/ixDFfIy5eN— Flahistoria (@flahistoria) March 23, 2019
Com a conquista da Taça Guanabara, o Flamengo entrava no octogonal decisivo com três pontos de bonificação. Botafogo e Vasco (pelas campanhas nos turnos da primeira fase) ganharam um ponto cada. Já o Fluminense, embora não tivesse conquistado nenhum ponto de bonificação, foi crescendo durante a competição e conquistando vitórias importantes exatamente quando precisava. Uma das mais marcantes aconteceu no dia 9 de abril de 1995, quando os comandados de Joel Santana venceram o Vasco de virada por 3 a 2 com direito a golaço de Lira e mais dois de Leonardo, atacante que havia substituído Ézio durante a partida. Os três pontos deixaram o Fluminense vivo na disputa do título mesmo começando o octogonal atrás dos seus rivais. Curiosidade: o mesmo Leonardo havia sido dispensado pelo Vasco meses antes desse jogo. Era apenas mais uma prova de que aquele Campeonato Carioca estava recheado de grandes surpresas para o torcedor do Fluminense.
Fluminense 3 x 2 Vasco – 09 de Abril de 1995
Duas expulsões, nove amarelos, virada, o Flu jogou com o coração e venceu o clássico, que deixou o tricolor vivo na briga pelo título do Carioca 1995.
Lira fez o primeiro e Leonardo – que substituiu Ézio – fez os gols da virada pic.twitter.com/Hn6dDmuAao
— Enciclopédia Tricolor (@Flupedia) April 9, 2020
Os jogos iam acontecendo e o cenário ia se desenhando. O Vasco foi perdendo jogos importantes no caminho e tropeçando nos clubes de menor investimento. O Botafogo (que já tinha a base da equipe que ficaria com o título brasileiro no final do ano) também perdeu força na reta final. E os únicos clubes que chegariam na última rodada do octogonal decisivo com chances de título eram Flamengo e Fluminense. Não era propriamente uma “decisão” nos moldes antigos. O time de Romário, Sávio e companhia estavam com 32 pontos e precisavam apenas de um empate para conquistar o Campeonato Carioca daquele ano. Já o Fluminense precisava vencer para estragar a festa do maior rival e quebrar um jejum que já durava dez anos. Na penúltima rodada do octogonal, as duas equipes mostravam que o jogo do dia 25 de junho de 1995 seria histórico: o Flu venceu o Entrerriense por 3 a 0 em Três Rios, e o Fla aplicou 5 a 0 no Volta Redonda jogando no antigo estádio da Gávea.
Após treze jogos no octagonal final, o Fla soma 32 pontos e o tricolor 30 pontos.
O Fla precisa apenas de um empate na última rodada para levantar a taça, já o Flu precisava vencer o rival.
O Rio de Janeiro já respira o Fla x Flu!
É Romario x Renato, quem leva? pic.twitter.com/IG1uLOjpr9
— Enciclopédia Tricolor (@Flupedia) June 19, 2020
E aqui vai um dado curioso. Em entrevista ao canal do Fluminense no YouTube (você pode conferir no vídeo ao final desta reportagem), o ex-volante Cadu revelou um diálogo no mínimo curioso com Renato Gaúcho. O então jovem jogador estava no trabalho de alongamento quando o camisa 7 perguntou se ele estava nervoso com a partida. A resposta foi óbvia: “é claro que estou”. Renato, no alto da sua experiência e fanfarronice, pediu para que Cadu ficasse calmo e garantiu que ele e seus companheiros seriam campeões naquele domingo. De acordo com o já veterano jogador, o Maracanã estava do jeito que ele gostava. Lotado e pronto para uma grande celebração. E de fato era dia de festa. Mais de 120 mil pessoas tomavam o “maior do mundo” num dos últimos grandes públicos do estádio em 70 anos de história. O palco já estava preparado e naquele 25 de junho de 1995, as equipes de Flamengo e Fluminense entravam em campo para delírio das suas torcidas.
Antes da partida começar, o técnico Joel Santana orientou seus jogadores a marcarem o Flamengo no campo adversário. O objetivo do treinador do Fluminense era isolar o setor ofensivo do meio-campo e ocupar os espaços em busca dos gols. E essa foi a postura do Tricolor das Laranjeiras na primeira etapa. Armado num 4-2-2-2 típico daqueles tempos, Márcio Costa protegia a zaga, Djair encontrava bastante espaço para pensar o jogo e o quarteto ofensivo levava a exposta defesa rubro-negra à loucura. O primeiro gol, no entanto, saiu apenas aos 30 minutos de jogo: Rogerinho recebeu de Leonardo na esquerda e passou para Renato. O camisa 7 ajeitou e tocou na saída de Roger. Com o meio bastante congestionado, o Fluminense ganhava todas as bolas. Aos 42 minutos, Márcio Costa chutou de fora da área para a defesa parcial de Roger. A zaga do Flamengo afastou mal e Leonardo mandou para o gol vazio. Festa da torcida tricolor no Maracanã.
Joel Santana armou o Fluminense num 4-2-2-2 típico daqueles tempos com o quarteto ofensivo marcando a saída de bola, Djair comandando o meio-campo e muita força pelo lado direito com as subidas de Ronald. O Flamengo (que jogava no mesmo desenho tático) não conseguia sair para o jogo e sofreu com a pressão do adversário nos primeiros 45 minutos da decisão.
Vendo que sua equipe estava sendo amplamente dominada pelo adversário, o técnico Vanderlei Luxemburgo fez duas alterações na sua equipe. Marcos Adriano e Willian saíram para as entradas de Mazinho e Rodrigo Mendes (na época, conhecido apenas como Rodrigo por torcedores e imprensa). O Flamengo se rearrumou saiu do 4-2-2-2 e se organizou num 4-2-3-1 com Sávio jogando logo atrás de Romário e Fabinho saindo do meio para ocupar a lateral-direita. O Flamengo ganhou força e, ainda que atacasse de maneira desordenada, prendeu o time do Fluminense no seu campo que, por sua vez, passou a viver de bolas lançadas para Renato Gaúcho e Leonardo. Aos 26 minutos, após chute de Charles Guerreiro, Romário marcava o primeiro do Fla. Logo na sequência, Marquinhos e Sorlei foram expulsos após confusão perto do gol de Welerson. Fabinho empataria a partida aos 32 minutos (num golaço) e Lira perderia a cabeça e seria expulso após carrinho criminoso em cima do camisa 7 rubro-negro.
Com nove jogadores em campo, não restava nada ao Fluminense senão segurar na mão de João de Deus e atacar para tentar o gol do título. E o lance que entraria para a história começou com uma bola espirrada na intermediária tricolor. Cadu recebeu a bola, passou para Márcio Costa que acionou Ézio. Este passou para Ronald que lançou Aílton pela direita às costas de Branco que já dava sinais de exaustão. O camisa 8 tricolor avançou, deu dois cortes em Charles Guerreiro e chutou meio sem direção. A bola encontrou a barriga de Renato Gaúcho e morreu no canto direito do goleiro Roger. Festa tricolor no Maracanã com aquele que poderia (e foi) o gol do título. Ainda haveria tempo para Lima ser expulso após falta violenta em Sávio. Mesmo com dois jogadores a mais em campo, o Flamengo não teve mais forças para reagir. O Campeonato Carioca de 1995 tinha dono. E era um certo clube tricolor das Laranjeiras.
https://twitter.com/DeAmoresDepre/status/1262095647592898564
Dez anos depois, o Fluminense voltava a conquistar o Campeonato Carioca. O famoso gol de barriga marcado por Renato Gaúcho não foi apenas a consagração de um jogador veterano que já era dado como aposentado e acabado para o futebol (e que depois seria coroado como o “Rei do Rio” para a alegria da torcida tricolor). Aquele jogo também consagrava Aílton Ferraz. Cria do Olaria, o camisa 8 tricolor havia despontado para o futebol no Flamengo, onde foi campeão da Copa União em 1987 e campeão estadual em 1986 e 1991. Sempre voluntarioso e polivalente, Aílton acabou sofrendo com a perseguição de parte da mídia esportiva que não o via à altura do time do Flamengo. Além disso, assim que voltou do exterior em 1995, Kléber Leite não quis que o jogador retornasse ao Flamengo. Acabou que Aílton se consagraria no mesmo ano com a camisa do Fluminense e marcaria o gol do título brasileiro do Grêmio em 1996. Histórias do maior Fla-Flu de todos os tempos.
FONTES DE PESQUISA:
Site oficial do Fluminense
RSSSF Brasil – State Championship Rio de Janeiro 1995 – First Level
TRIVELA (Há 20 anos, um clássico eterno: o épico Fla-Flu de 1995 foi muito além do gol de barriga)
JORNALHEIROS (Recordar é viver – O Fla-Flu de 1995)
GLOBOESPORTE.COM (Chuva, expulsões, Maraca lotado… O Fla-Flu de 1995 muito além do gol de barriga)
SPORTV NEWS (“A criança nasceu, mas eu sou pai”, diz Ailton, autor oficial do gol de barriga)
LEIA MAIS:
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