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Mais do que um jogo: como o futebol se aproxima do povo e pode dar voz às minorias

Por Rafael Alves em 08/06/2020 09:35 - Atualizado há 5 anos

Divulgação

Bahia se tornou exemplo de clube que usa a imagem do esporte para auxiliar na conscientização social

Nos últimos anos, através das grandes arenas, frequentar a maioria dos jogos na arquibancadas se tornou algo elitista. Com o valor dos ingressos cada vez mais caro, alguns clubes de futebol tentam criar mecanismos para voltar a atrair a parcela da população que não tem condições para ir aos estádios.

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O Bahia foi uma das equipes que chamaram a atenção com o lado social em suas manifestações dentro de campo e nas redes sociais. Presidente do clube, Guilherme Bellintani afirma que a origem da ideia de posicionamento veio após notar o distanciamento do clube com os torcedores, “principalmente o torcedor de menor poder aquisitivo”.

”Essas pessoas estavam excluídas dos estádios, principalmente depois dos fenômenos de arenas no país. E não é nem exatamente uma questão de defender minorias. Segundo dados do IBGE, a população da Bahia é composta por 82% de negros e pardos. As mulheres representam 52% dos baianos”, comentou à reportagem do Torcedores.

O presidente do Bahia acredita que “o futebol é um canal que pode servir para o que há de pior na sociedade, como racismo, intolerância e violência”. Porém, os clubes também podem servir de um forma diferente “para espalhar cultura, afeto, sensibilidade, melhoria das relações humanas”.

“Achamos que os clubes têm de escolher se serão canais de amor ou ódio. Além disso, estamos diante de um cenário de alta visibilidade, cobertura diária da imprensa, mais de 3 milhões de seguidores nas redes sociais. A ideia é tentar alcançar o máximo de pessoas possível. Sendo o futebol, conseguimos atingir indivíduos que muito provavelmente não comentariam ou postariam sobre determinado assunto caso não houvesse participação do seu clube do coração”, disse Bellintani.

“O Bahia sempre se preocupa em defender causas humanitárias – e não de esquerda ou direita. Nunca você vai encontrar viés político-partidário. São lutas de direitos humanos. Até pouco tempo, talvez não houvesse nenhuma polêmica. Mas decidimos nos envolver, mesmo assim, porque nos consideramos um elemento de identidade cultural e social do Estado da Bahia”, destacou Guilherme Bellintani.

E os jogadores de futebol?

Com os atletas tendo papéis ativos nas manifestações, Bellintani ressalta que todas as ações são debatidas em conjunto com o elenco. “Ninguém é forçado a nada, fazendo justo ao status de clube mais democrático do Brasil que nos orgulhamos de possuir. Os atletas são avisados com antecedência, além disso, e também são consultados. Algo muito legal é que percebemos que parte deles passou a se interessar bastante sobre o assunto e começaram a se manifestar mesmo sem participação do clube”, disse o presidente do Bahia, que também falou sobre os resultados positivos dos seus posicionamentos.

“Percebemos com uma surpresa absurdamente positiva. Em nenhum momento o objetivo das ações afirmativas foi a repercussão, fazer sucesso, virar ‘case’, etc. Começamos a nos posicionar porque acreditávamos naquilo – e seguimos com o mesmo espírito. Eis que não só nossa torcida como os torcedores de outros times, espalhados pelo Brasil, até mesmo de nosso arquirrival (o Vitória), passaram a nos elogiar, a nos seguir, a nos compartilhar, a se associar ao clube, a comprar produtos do Bahia. Está sendo algo muito bonito e inspirador”, concluiu o presidente da equipe de Salvador.

Mas, afinal, por que dizem que futebol e política não se misturam?

Polêmica das últimas semanas entre os comentaristas da Globo, Caio Ribeiro e Casagrande, a mistura entre futebol e política é um dos principais debates entre os torcedores. De acordo com Marcelo Carvalho, historiador e fundador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, sempre houve a combinação entre o esporte e as pautas do Governo. Quem discordar disso seria tendencioso, na visão do historiador.

“Dizer que futebol e política não se misturam é não conhecer a história do Brasil, do futebol brasileiro. É ser, de certa forma, tendencioso a que as pessoas não misturem, porque futebol e política se misturam desde sempre”, destacou o fundador do observatório.

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Marcelo lembra da profissionalização do futebol na década de 1930, com Getúlio Vargas, em uma intenção para aumentar a participação de negros. Quarenta anos depois, a seleção do Tricampeonato Mundial foi usada pela Ditadura Militar como espelho da sociedade nacional. “Sempre se misturaram”, disse o historiador, que ressaltou também a quantidade de ex-dirigentes de futebol entre os políticos nacionais.

Hoje mais comum com pautas ligadas à sociedade, atrelada aos grupos partidários de esquerda, a mistura com o futebol já esteve do outro lado. “Se a gente olhar minuciosamente, quem mais misturou política com futebol antigamente era a direita. Agora que a esquerda começa a querer utilizar o esporte para dialogar com a sociedade, a gente ouve um grito que futebol e política não se misturam”, afirmou.

O historiador ainda destacou que o futebol sempre foi um espaço para os negros se verem dentro da sociedade. “De modo geral, o futebol foi um espaço de ascensão social do negro, e visto por muito tempo como um dos espaços de possibilidade. Os clubes foram dando espaço e os negros foram se vendo. Em termos de visibilidade para crianças negras, o futebol foi muito importante”, disse.

Ele ainda relembra os primeiros movimentos no início dos posicionamentos dos clubes. De acordo com Marcelo, foram os próprios torcedores pediram mais ação nas mensagens de apoio às minorias. Ele ainda cita que, atualmente, nem todos os clubes participam de datas anti-racismo ou da pauta LGBT.

“Eles não se posicionavam nem por questão de marketing. Isso foi aumentando ao longo do tempo”, relembrou. “Posicionamento é importante demais. O futebol entra em 90% das casas do Brasil. E quando o futebol possibilita essas mensagens, é muito importante que muitas delas não são ouvidas quando alguém quer falar sobre homofobia, machismo, xenofobia, questões raciais. Quando é falado através do futebol, mais pessoas ouvem, tentam entender e querem participar do debate”, completou.

Qual é o primeiro passo para deixar o debate nos clubes ainda mais democráticos?

De acordo com Marcelo Carvalho, “o futebol é o retrato fiel da sociedade brasileira”. “Temos empresas no Brasil onde os donos são, em 99% dos casos delas, são brancos. Se sair das empresas e for para os clubes, verá o mesmo cenário. Na grande maioria, são famílias brancas e poderosos que dividem o poder por anos, mesmo em clubes grandes”, destacou.

“O primeiro passo é a gente conseguir tornar o conselho dos clubes mais diversos, para que a gente consiga pensar com uma cara diferente dessa hétero, branco e cis. Isso só será quebrado quando colocarem pessoas negras, mulheres e LGBTs”, destacou o historiador.

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