Liderança, um esporte feminino: quem é a única brasileira delegada da Conmebol
Primeiro perfil da série em homenagem ao Dia da Mulher conta a história de Valesca de Araújo, Delegada da Conmebol
Primeiro perfil da série em homenagem ao Dia da Mulher conta a história de Valesca de Araújo, Delegada da Conmebol
Por Pedro Cipriano
“É preciso chorar no começo para rir no fim”. A frase-desabafo de Marta na eliminação da Copa do Mundo de Futebol Feminino da FIFA 2019, na França, resume a posição de luta, sacrifício e superação das mulheres no esporte. Mas a maior atleta da modalidade não é porta-voz somente a sua classe, as jogadoras. É cada vez mais comum ver profissionais brasileiras liderando equipes, gerenciando áreas em grandes competições internacionais e ocupando cargos de importância em organizações esportivas pelo mundo. Casos de sucesso em meio a uma gestão ainda dominada pelos homens (e pelo machismo, em muitos casos). Esta série pretende destacar as mulheres que colaboram diariamente para que o esporte – seja ele praticado por homens ou por mulheres – ganhe em profissionalismo e excelência, pero sin perder la ternura.
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O primeiro perfil é o da paranaense Valesca de Araújo, 47 anos. Formada em Educação Física e especializada em Pedagógica do Esporte, Val faz parte de um seleto grupo de Delegados de partidas da Conmebol. Apenas três mulheres ocupam o cargo máximo em nome da entidade, trabalhando em jogos da Copa Libertadores e Sul-americana. “Cheguei na Conmebol pela experiência em operação de partidas de futebol. Em 2019 atuei em 13 jogos em toda a América do Sul, incluindo a histórica Final Única da Copa Libertadores, em Lima (Peru). Para 2020 já recebi o convite para permanecer no quadro de Delegados, o que exige aprovação em uma prova anual”.
Trajetória
A ex-atleta de handebol chegou ao futebol pelas mãos do esporte olímpico. “Ao cursar Educação Física, me encantei pelas aulas de administração esportiva e no último ano da graduação iniciei trabalhos na organização de competições e eventos esportivos, todos muito pequenos e locais. Com essa experiência fui convidada para trabalhar em eventos de diversas áreas, especialmente a cultural, festivais de teatro, cinema e dança, mantendo sempre o pé na área esportiva”. Em 2005, o handebol a levou ao COB (Comitê Olímpico Brasileiro), onde trabalhou por cinco anos e meio. A mudança de Curitiba para o Rio de Janeiro abriu novas portas para Valesca.
Convidada pelo Comitê Organizador Local (COL) para atuar como gerente de Competições e Serviços às equipes na Copa das Confederações da FIFA 2013 e da Copa do Mundo da FIFA 2014, ela ajudou a elevar o nível de serviço oferecidos aos atletas e delegação nas sedes brasileiras das competições internacionais. “A Copa do Mundo 2014 foi um divisor de águas na minha carreira. Foram três anos e meio de dedicação, aprendizado e crescimento imensuráveis”. E professores na gestão do esporte não faltaram. “Frederico Nantes é a minha primeira referência. Além de ser um profissional focado na excelência e nos detalhes, foi ele que me convidou a entrar para o mundo do futebol e me permitiu crescer através de desafios. Ele é um “formador” de profissionais diferenciados e um agente de mudanças no mundo esportivo. Já no Ricardo Trade (Baka), admiro a habilidade de formar e gerir grandes equipes de trabalho, sua linha de gestão inclusiva me encanta”.
Em 2015, Valesca começou a atuar como colaboradora da CBF. “Cheguei para atuar na área de Legado, focada no desenvolvimento do futebol feminino no Brasil. Desenvolvi um plano estratégico para a modalidade, que vem aos poucos sendo implantado. Já atuei nas áreas de Competições, Seleção Feminina e atualmente estou atuando no Desenvolvimento. Tenho um imenso carinho por algumas experiências, como ser Team Manager das seleções brasileiras femininas de base em dois Mundiais da FIFA (Sub-17 em 2016 na Jordânia e Sub-20 em 2018 na França). E ainda em 2016 tive a oportunidade de participar do Programa de Liderança Feminina da FIFA, onde firmei minha relação com a instituição e conheci outras tantas mulheres atuantes no futebol nos mais diferentes países”.
Inspiração
Vem da FIFA, inclusive, uma das inspirações no esporte. “Tenho como referência internacional a Fatma Samoura (Secretária-geral da FIFA), pelo espaço alcançado e representatividade no futebol, e também a Reyes Bellver, advogada esportiva que tem liderado uma mudança muito grande na Europa no que diz respeito às mulheres no esporte.
O Programa de Liderança da FIFA impactou definitivamente na carreira de Valesca, que tem como maior objetivo fortalecer o futebol feminino no país de forma consistente. “Conhecer e entender realidades diferentes, mas que tem dificuldades semelhantes, foi enriquecedor e ao mesmo tempo motivador, pois os avanços podem atender a mais pessoas. Formamos uma rede de crescimento mútuo através de compartilhamento de ações praticas, bem como uma fonte de informações, intercâmbios e o que mais cada uma das participantes precisar. Não se trata de um grupo de futebol feminino, mas de profissionais de inúmeras áreas que atuam no futebol (não somente feminino), incluindo advogadas, gestoras de clubes, secretaria de esporte, ex-atletas, gestoras de federações e confederações, especialistas em marketing etc.”.
Assertiva e agradável
Em janeiro deste ano, a única brasileira delegada da Conmebol esteve em Assunção (sede da entidade) preparando-se para a temporada 2020. “A capacitação é imprescindível. Não alcançaremos o respeito pela força, mas sim pelos diferenciais que desenvolvermos em nós. Pode haver cota, porcentagem obrigatória e outras formas de ter espaço para as mulheres, mas será a capacidade de cada uma que manterá o espaço aberto para as demais”.
Entretanto, o cotidiano da mulher no ambiente do esporte – e especialmente do futebol – ainda é guiado por uma luta invisível de força e resistência. “Somos testadas desde a primeira ação, e, se falharmos, reforçam-se teorias de não competência. Muitos ‘sistemas’ se intitulam apoiadores, mas também não cooperam, não respeitam, são parciais em decisões para não fortalecer uma mulher no cargo (superior ou não). Hoje temos mais referências em clubes, instituições esportivas e fortalecemos posturas mais firmes e positivas, mas ainda precisamos ser extremamente assertivas e agradáveis no ambiente de trabalho porque pelo mínimo motivo podem dizer que aquilo não é para a mulher. Ainda há muito caminho a percorrer”, finaliza Valesca, vislumbrando o trajeto entre o choro e o riso proposto pela camisa 10 da seleção feminina.