Novo coronavírus interrompeu séries A1, A2 e A3 à beira da fase final; enorme prejuízo pode ser trampolim para transformações
Em meio à apreensão geral sobre os efeitos que o novo coronavírus (Covid-19) causará em nosso país, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol (FPF) se veem encurraladas em relação ao que fazer com os seus campeonatos. A FPF, a despeito de outros equívocos, tem demonstrado abertura para que os clubes participem de decisões importantes. Foram eles que bateram o martelo, por mais óbvio que fosse, pela suspensão das séries A1, A2 e A3. Na segunda-feira (16), dia das reuniões na sede da FPF, a percepção do impacto da epidemia era diferente da de hoje, mais realista e temerária.
De um total de 16 clubes em cada série, o interior de São Paulo tem nove clubes na A1, dez na A2 e 13 na A3. São 32 clubes, quase 70% do total. Também se sabe que os principais campeonatos estaduais estão cada vez mais em xeque, com a overdose de jogos a qual os clubes ‘grandes’ é submetida. Na lógica atual, em que pese os interesses nefastos que sustentam as 27 federações estaduais – e seus torneios mequetrefes com três meses de duração –, são os clubes ‘pequenos’ que precisam dos ‘grandes’ e não o contrário. Na vida de Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos, o Paulistão se tornou mais um estorvo do que uma solução. O fio comercial – leia-se Rede Globo – que sustenta a já frágil estrutura, sabe-se, está por se romper.
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Mais ano, menos ano, o Campeonato Paulista da 1ª divisão terá de ser rediscutido, o que levará a debate as outras divisões – a Federação Paulista projetou a volta da 5ª divisão para 2021. Quem ama o futebol seguirá sempre atrelado a ele, independentemente de divisão. Bem ou mal, até os clubes da última divisão movem vidas. São atletas, técnicos, preparadores físicos, massagistas, roupeiros, funcionários em geral e, acima de tudo, torcedores que chegam a tapar os olhos para não enxergar a realidade destas agremiações. Lindas, todas elas, mas espremidas, mal tratadas, marginalizadas, justamente o inverso do que deveriam representar para uma cidade, uma comunidade. Esportivamente falando, não há nada mais triste do que ver um jogo de futebol profissional mais estropiado do que um jogo de várzea, dos ruins. A gente ri para não chorar.
Existe solução milagrosa? Não. Vivemos no Brasil e o dinheiro por aqui anda difícil, o contexto é complexo. Mas há algo de errado neste sistema do futebol paulista em que tantos clubes de boas cidades vivem como zumbis, perambulando entre nomenclaturas esquisitas como A2, A3, Bezinha, B1A, B1B. Será que se os clubes do interior – há 63 em atividade –, ‘meterem a mão na massa’, não conseguem produzir algo melhor, mesmo que sem a presença dos ‘grandes’? Até quando teremos que submeter escudos, cores, bandeiras maravilhosas a estádios sujos, públicos ridículos, condições que beiram a insalubridade? Que fique claro, estamos falando de futebol profissional.
A tragédia do coronavírus interrompeu o Campeonato Paulista de 2020 da 1ª, 2ª e 3ª divisões e agora o debate é se será possível ou não concluir estes torneios. Expressão da agonia vigente no país, o que não falta é problema. Alguns times da A1, a ‘divisão de elite’, que não terão calendário a partir de maio – desprezemos a Copa Paulista –, assinaram contratos com seus atletas até o final de abril. Se o campeonato for retomado daqui a dois (?), três meses (?), o contrato deste atleta será prorrogado? Quem pagará pelo período em que este atleta teve de ficar em casa? Os clubes usarão outros jogadores? Quais, de onde? Haverá condições de igualdade? Não é preciso ser craque no assunto para compreender que o futebol brasileiro, tirante os clubes gigantes (e olhe lá) não estava preparado para tamanho distúrbio. As feridas, talvez tapadas por décadas, estão ficando escancaradas.
Todos os envolvidos nas quatro divisões do Campeonato Paulista – as equipes da 4ª começavam a treinar para o início da competição, em abril – estão agora em casa, sem ter a menor ideia de como serão os próximos meses, como será o seu futuro profissional neste inacreditável 2020. Ainda há quem tente minimizar, acreditar que daqui a um mês as coisas estarão do jeito que estavam há 15 dias, mas a realidade será diferente. Em pânico, a Federação Paulista funde os miolos para achar uma solução. O prejuízo é imensurável em várias esferas e o que menos importa agora é o clubismo, a vaidade, o individualismo. Temos que ajudar uns aos outros, salvar vidas. Nada mais importa.
Talvez seja o momento de os clubes do interior se aproximarem, baixarem a guarda e se situarem no tempo e espaço. Há a necessidade de se criar uma Liga do Interior que represente os interesses comuns junto à FPF. Diante da enrascada da CBF para viabilizar o Campeonato Brasileiro, as séries A1 e A2 do Paulista de 2020 estão comprometidas – só a A3 não tem clubes em alguma divisão do Nacional. A 4ª divisão, que ainda não começou, terá o restante do ano a sua disposição.
A bola do Paulistão é feita de PET reciclada. Se liga na S11
Este ano, não será possível determinar os campeões e muito menos os clubes rebaixados. Por outro lado, a interrupção das competições abre espaço para um debate maior. Por que 16 clubes em cada série? Por que cinco divisões em 2021? Por que não campeonatos com mais clubes, por mais tempo, regionalizados? O que fazer para melhorar o espetáculo, aumentar o público, a receita? Existe agora uma oportunidade de ouro para fundir divisões, assimilar que o futebol do interior paulista precisa encontrar uma forma de andar com as próprias pernas, talvez sem a presença dos clubes ‘grandes’. O atual modelo está falido, é preciso criatividade e diálogo para buscar um novo. Quem sabe a FPF pode estar, enfim, aberta a grandes transformações.
Por ora, que a Federação Paulista decrete o final das competições já iniciadas em 2020, não há mais viabilidade administrativa, jurídica. Não há mais condições de igualdade, nem clima. Atletas e dirigentes não podem ficar em compasso de espera enquanto o país vive um drama, há que se encerrar o ciclo para esperar o novo. A única mobilização agora é cuidar da saúde de si, dos pais, dos filhos, das pessoas que amamos e até das que não conhecemos. Não há espaço para mais nada.
Clubes são, acima de tudo, agentes da fraternidade, símbolos sociais de convívio e tolerância. Que toda a comunidade do futebol esteja unida e que os clubes do interior compreendam que unidos são mais fortes. Força e luz a toda comunidade esportiva.
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