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Carlota Resende: a dirigente do futebol que planejou excursionar com jogadoras e foi presa em 1941

Esse texto é para pessoas que gostam de um desafio histórico, e mais do que isso, reconhecem que pouco sabemos sobre a história das mulheres que jogaram bola no Brasil.

Por Aira Bonfim em 07/03/2020 07:20 - Atualizado há 3 anos

Esse texto é para pessoas que gostam de um desafio histórico, e mais do que isso, reconhecem que pouco sabemos sobre a história das mulheres que jogaram bola no Brasil.

Dito isso, gostaria de convidá-los para adentrar em mais 80 anos de história, com uma personagem que nunca integrou o noticiário do Globo Esporte e raramente foi citada nos livros e almanaques esportivos nacionais.

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Dia 08 de março é uma data de celebração internacional das mulheres, nada mais oportuno para lembrar, hoje e cotidianamente, que muitas mulheres fizeram história, inclusive ao longo da trajetória do futebol, o dito esporte violento e inadequado para elas.

Aliás, fazer parte da história é um atributo em disputa. Se eventualmente olharmos nossos livros escolares de História, notaremos como é desproporcional a presença de mulheres consagradas por grande feitos e decisões. Também encontraremos estigmas que por décadas perpetuaram uma certo tipo de imagem frágil, ingênua, burra e fulgaz das moçoilas….

Então, pára tudo e vem comigo conhecer uma mulher f…, muito porreta láaaaa dos antigamentes do futebol!

Equipe feminina do Primavera A.C. na sua sede, casa de Carlota Resende, 1940. Acervo Biblioteca Nacional

E com vocês, Dona Carlota!

Carlota Alves de Resende foi uma dirigente esportiva do seus sessenta e poucos anos, nascida no bairro de Pilares na cidade do Rio de Janeiro. Carlota era uma pessoa simples, porém muito bem influente entre os homens envolvidos na organização do futebol suburbano (de várzea, amador) dos bairros cariocas mais longínquos.

Carlota protagonizou uma momento histórico do futebol brasileiro ao fomentar a criação de uma dezena de equipes de mulheres interessadas em jogar o esporte bretão, tudo isso em ??? 1940!!

Equipe de futebol do A.C. Independente e as duas zagueiras e a goleira do Valqueire F.C., 1940. Acervo Biblioteca Nacional

“Coach-woman”

Sim, o nome Carlota se tornou familiar de algumas das jogadoras nessa época pois ela era uma verdadeira “coach-woman”, como apareceu nos jornais. Ela formava equipes nos diferentes bairros, assim como acontece hoje, organizava festivais amadores de futebol nos finais de semana.

Com o tempo, o nome de dona Carlota ganhou mais fama entre os adeptos da bola. Por não existirem popularmente mulheres ocupando as quatro linhas, suas jogadoras passaram a ocupar espaços nos jornais esportivos e mais do que isso, passaram a receber até o bicho (dim dim), para fazerem apresentações preliminares aos jogos masculinos.

Jogadoras da equipe do Primavera A.C. em 1940. Acervo O Globo

A viagem

Dona Carlota, entretanto, não viveu só de alegrias. Em uma época em que as gavetas binárias estavam a todo vapor, mulheres jogando bola não passaram desapercebidas das opniões mais retrógradas. Dona Carlota foi acusada publicamente de aliciar moças pobres e ganhar dinheiro fazendo-as jogar bola.

Sob muito bafafá e um futebol satisfatório tecnicamente apresentados nos campos suburbanos, o Primavera A.C.,  equipe dirigida por Carlota, encontrava-se em 1940 em vias de organização uma audaciosa excursão pela América Latina a convite do empresário argentino Afonso Doce.

Com os planos femininos chegando ao grande público, em um projeto que incluía a passagem e exibição do futebol feminino brasileiro em Montevidéu, no Uruguai, e Santiago, no Chile, todas as suspeitas e acusações ganharam destaques nos jornais de todo o país.

sátira sobre as excursões femininas de futebol em 1940. Acervo Biblioteca Nacional

O “antro de perdição” da Rua Gaspar, 45

Carlota foi desmoralizada pelos cronistas e educadores físicos, e a sua liga feminina foi acusada de ser uma fachada para a contratação de mulheres para venderem danças (ou até o corpo), nos dancings da cidade carioca.

A casa de Carlota, sede de reunião das equipes femininas foi classificada como um “antro de perdição”, onde mulheres, sozinhas, jogavam jogos de azar, fumavam e afalavam deliberadamente (ai essa masculinidade frágil desses jornalistas…)

Carlota foi presa por poucos dias por causa do futebol de mulheres. E claro, nenhuma brasileira foi autorizada a embarcar nas excursões esportivas.

Manchete sobre a prisão da Dona Carlota em 1941. Acervo Biblioteca Nacional

Um Boom do futebol de mulheres

A década de 1930 marcou uma primeira organização feminina em torno da prática do futebol. Mais de 15 equipes suburbanas cariocas passaram a serem noticiadas nos jornais esportivos da época. S.C. Parames, S.C. Brasileiro, Casino do Realengo F.C., River F.C. são algumas das equipes que rivalizaram com o Primavera.

A despeito dos ocorridos, Carlota foi uma dirigente pioneira, corajosa e faz parte sim da história do futebol brasileiro. Essa ousadia toda, até hoje, mantém acessa e em disputa um desejo de conquistar um lugar ao sol na historiografia do futebol.

Nosso país, nação que se costumou a se apresentar como “país do futebol”, simultaneamente a popularização desse esporte proibiu por quase 40 anos as brasileiras de jogar bola, profissionalmente ou amadoramente.

Hoje, amanhã e depois, rememoraremos histórias de mulheres que fizeram parte da história esportiva desse país.

Viva Carlota!

 

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