Home Opinião 1959: o ano em que atrizes subverteram as regras do jogo e entraram em campo no Pacaembu

1959: o ano em que atrizes subverteram as regras do jogo e entraram em campo no Pacaembu

Já ouviu falar no futebol de vedetes? Não!? Pois é, essas partidas aconteceram, encheram os estádios mais importante do nosso país e melhor, ocorrem exatamente na época em que mulheres não podiam jogar de jeito algum no Brasil!

Aira Bonfim
Colunista do Torcedores.com.

Já ouviu falar no futebol de vedetes? Não!? Pois é, essas partidas aconteceram, encheram os estádios mais importante do nosso país e melhor, ocorrem exatamente na época em que mulheres não podiam jogar de jeito algum no Brasil!

Nem sempre brasileiras puderam jogar futebol (espero que isso não seja uma novidade para você leitor, mas caso seja, é isso mesmo…), mas nem por isso nossas antecessoras aceitaram e obedeceram os decretos estabelecidos em 1941 durante a ditadura do Estado Novo no Brasil.

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Sim meu povo… as vezes desobedecer é preciso e necessário.

Alguns grupos de mulheres titubearam as determinações excludentes da época dando um verdadeiro… jeitinho!

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Em um cenário em que campeonatos, festivais esportivos e clubes femininos de futebol haviam sido extintos (quando não, perseguidos), as décadas de 1940, 1950 e 1960 – fase pujante do futebol masculino nacional – marcou a utilização de termos como “beneficente” ou “espetáculos” para justificar a existência de jogadoras dentro de campo.

Coleção Lover Ibaixe | Acervo Museu do Futebol

Ousadia esportiva e shortinhos à mostra: Vedetes em campo

No dia 17 de agosto de 1959 os portões do Estádio do Pacaembu se abriram novamente para uma partida de futebol entre mulheres. Digo novamente porque no dia 17 de maio de 1940, semanas após a inauguração do estádio, as equipes femininas cariocas já havia presenteado a paulicéia com a exibição do seu futebol antes de SPFC e Flamengo. 

Em 59, já com o decreto-lei que impedia mulheres de praticarem esportes dito violentos em vigor, o cenário futebolístico feminino ficou beeeeem prejudicado. Entretanto, de forma mais ampla, o futebol (masculino) nunca parou de crescer, de ganhar visibilidade midiática e adeptos dentro e fora dos campos.

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Naqueles anos já havíamos inclusive sediado uma Copa do Mundo em terras tupiniquins (1950), e em 1958, um ano antes do episódio que vou lhes contar, fomos campeões do mundo na Suécia com Pelé!

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O jogo feminino que aconteceu nessa época não contou com atletas ou entusiastas do esporte, mas com vedetes! Vedetes é o nome dado às artistas do teatro naqueles tempos. Elas eram muito conhecidas, tinham suas fotos divulgadas em revistas e suas reputações… sempre colocadas em questão.

Todo corpo é político, e ser atriz há alguns anos atrás (e até hoje), exigia demostrar autonomia, liberdade e poder sobre seus próprios corpos de maneira pública.

Mulheres em campo: uma ideia rentável

Em 1959 o empresário Lover Ibaixe patrocinou o primeiro jogo entre atrizes do teatro de revista. O evento apresentou ao público curioso um verdadeiro confronto interestadual entre São Paulo versus Rio de Janeiro.

Sem um cotidiano preenchido do por uma cena feminina boleira no Brasil, a novidade foi apresentada (e muito bem vendida) com o objetivo de arrecadar fundos para a construção do Hospital dos Atores de São Paulo.

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Objetivos “beneficentes” erram recorrentemente utilizados nos raros vestígios de mulheres que jogaram bola nessa época. Hoje, pessoas como eu que pesquisam a história do futebol de mulheres no nosso país, precisam contar com a sorte de:

  1. Terem existido algum tipo de registros na época (foto e/ou textos nos jornais);
  2. Torcer com que esse material tenha sido preservado
  3. Contar com que esse material esteva ou se torne acessível (o proprietário ou instituição disponibilizá-lo para acesso publico ou autorizado)

Bom, no caso das vedetes de 1959 no Pacaembu foi exatamente isso que aconteceu.

Coleção Lover Ibaixe | Acervo Museu do Futebol

As vedetes de Lover Ibaixe

Uma certa tarde de junho de 2015 eu atendi a um telefonema de Lover Ibaixe enquanto trabalhava como pesquisadora do Museu do Futebol.

O meu nome é diferente, mas o do Lover Ibaixe é mais! rs

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Dos mais de 80 funcionários na época, eu imagino que eu fosse a única que conhecia a história daquele cidadão. Do outro lado da linha: “olá, meu nome é Lover Ibaixe, eu fui responsável pela promoção do futebol feminino no Pacaembu”

Pois é minha gente, era ele mesmo, 56 anos depois da partida, era Lover na linha comigo. Eu só sabia da existência da exibição dos jogos entre atrizes no estádio pois tinha acabado de ler a dissertação de mestrado da pesquisadora e amiga Giovana Capucin

Na pesquisa dela, ficava muito clara na descrição dos episódios, mais uma vez na história do futebol feminino, a linha tênue entre o que se entendia como espetáculo e competição. E essas dúvidas deram muita margem para os babados em torno dos eventos.

Coleção Lover Ibaixe | Acervo Museu do Futebol

“Evitemos esse espetáculo degradante!”- O Globo, s/ data, 1959 

Não é difícil de se imaginar que a divulgação nos jornais da época de um “inédito” futebol entre mulheres não fosse gerar conflitos entre as autoridades locais. O decreto em vigor desde 1941 não permitia que campos oficiais e federações realizassem jogos entre mulheres.

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Todavia, nada se dizia nas leis sobre uma…. “partida-espetáculo-beneficente”!

O argumento tinha respaldo na convocação de jogadoras atrizes e não atletas. E por incrível que pareça funcionou para ludibriar a legislação e o poder público contra a proibição.

Sexualizado ou não.

Com técnica ou sem.

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Pra valer ou de brincadeira.

O que importa é que em 1959, equipes femininas do Brasil entram em campo para subverter a ideia de que só homens pudessem ocupar o lugar da prática do futebol.

Coleção Lover Ibaixe | Acervo Museu do Futebol

Os saldos $$

A despeito dos comentários preconceituosos dos cronistas da época, as partidas lotaram o estádio e arrecadaram uma quantia generosa com os ingressos vendidos. Novas partidas foram organizadas e outros estados do Brasil presenciaram o futebol entre vedetes.

 

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Futebol de Vedetes no Pacaembu, São Paulo, SP  

17/08/1950, segunda-feira

Renda: 1.320.500,00 cruzeiros

(curiosidade: menor somente que Corinthians x Palmeiras pelo Campeonato Paulista de 1959)

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Futebol de Vedetes no Maracanã, Rio de Janeiro, RJ 

31/08/1959, segunda-feira

Renda: 1.130.838,00 cruzeiros

(Curiosidade: clássico rodada entre Botafogo x América-RJ rendeu 953.668 cruzeiros)

 

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Escalação de atrizes na partida realizada no Pacaembu em 1959

Time de atrizes de São Paulo:

Lilian Fernandes, Turquinha, Suzi Montel, Riva Ketter, Carmen Fernandes, Nelta Norah, Daise Paiva, Irene Bertal, Julia Romero, Taluhama, Marly Marley e Jane Anderson

 

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Time de atrizes do Rio de Janeiro:

Iolanda Just, Elsa Inês, Vanda Nei, Patrícia Laura, Telma Lima, Conchita Mascarenhas, Elza Dupré, Sandra Sandré, Sandra Gaby, Jane Mota e Cirene Portugal  

Juiz: Colé Santana – cômico, empresário (tio de Dedé Santana dos Trapalhões)

 

O que foi dito na época

“Em dois jogos na Bahia e Sergipe, ganhei mais do que numa quinzena de trabalho em teatro, com duas sessões diárias, e três aos sábados e domingo. Joguei de médio direito e por jogar duro passei a ser chamada de Orlando… Se continuar ganhando tanto dinheiro assim no futebol, vou pedir meu “passe” ao teatro de revista”. 

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Riva Ketter, Revista do Rádio, n.535 | dezembro de 1959 

 

“O problema é o começo. Se deixarmos que se realize esse anunciado jogo entre as vedetas do Rio de São Paulo, a consequência será que o futebol feminino será fato consumado e nunca mais haverá solução para o problema.”

José Augusto Cavalcanti, presidente do diretório acadêmico da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, 1959.

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É pessoal… essa é mais uma história magnífica sobre as histórias de mulheres que ousaram jogar o esporte mais popular do nosso país.

Subverter é preciso! #8M

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