Home Extracampo “Perdi muitas oportunidades no esporte e fui excluída”, conta primeira trans na Superliga argentina

“Perdi muitas oportunidades no esporte e fui excluída”, conta primeira trans na Superliga argentina

Papo de Mina
O "Papo de Mina" é um projeto independente de jornalismo, que visa fortalecer a presença da mulher no ambiente esportivo e em todas as áreas da comunicação. Neste espaço você vai ler, ouvir e ver mulheres que vivem o esporte, mas que também falam sobre diversos assuntos. Nos siga nas redes sociais e acompanhe!

Mara Gomez, 22, enfrentou ataques transfóbicos após ser anunciada no Villa San Carlos em janeiro

Por Lívia Camillo, repórter em São Paulo

No dia 11 de janeiro, o Papo de Mina relatou os ataques sofridos por Mara Gomez, primeira jogadora transexual a ser anunciada por uma equipe da Superliga argentina. Naquela semana, ao mesmo tempo em que ela sofria com os comentários transfóbicos, uma corrente de apoio, formada por atletas e companheiras, tomou conta das redes sociais. Mara não se pronunciou sobre o assunto por um longo período.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

A atacante, de 22 anos, só decidiu quebrar o silêncio 18 dias depois do primeiro contato com a reportagem. A conversa aconteceu no Dia da Visibilidade Trans no Brasil – 29 de janeiro. Durante o bate-papo, ela desabafou sobre o sofrimento do último mês.

“A verdade é que os ataques me machucaram muito. Quando fui anunciada como segundo reforço do Villa San Carlos para a temporada, a publicação viralizou por todo o mundo e – nos primeiros dias – sofri muito. Foram muitos comentários negativos e muita discriminação”, contou ao Papo de Mina

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

“A minha maneira de enfrentar isso foi apenas ignorar todos os comentários, ver as coisas pelo lado bom e aproveitar o momento que estou vivendo. Estou me rodeando de pessoas que me puxam para cima, me incentivando nessa situação e me dando apoio. O que importa é que estamos dando um passo a nível social, para que todas possamos ter a oportunidade e direito de fazer algo que nos faz feliz, que nos faz bem”, acrescentou.  

Excluída por ser trans

Mesmo com o uso de hormônios femininos, e com os níveis de testosterona alinhados à exigência do COI (Comitê Olímpico Internacional), Mara demorou muito para ter as portas abertas no futebol feminino. “Eu já perdi oportunidades no esporte e fui excluída pela minha condição. Eu não conseguia me inserir [no mercado]. Quando fiz a transição foi difícil”, disse.

Pela falta de oportunidades – não só no futebol -, desde jovem precisou aprender a lidar com a dupla jornada de trabalho. “Além do futebol, trabalho com enfermagem. Foi o jeito que encontrei para receber [salário]. Eu também faço trabalhos particulares, como manicure e alisamentos [capilares] em casas de família.” 

PUBLICIDADE

O cenário é mais amigável do que há alguns anos, mas a atleta citou que muitos casos de preconceito ainda acontecem no futebol argentino. A situação faz a jogadora não ter fé numa inclusão maior de pessoas trans.

PUBLICIDADE

“Digo para as pessoas que tem preconceito que, simplesmente, se informem. Mas sabemos que a sociedade tem esse problema. O que precisam entender é que somos todos da mesma raça, a humana, independentemente de gênero e sexualidade. Somos todos humanos com sentimentos e alma”. 

Terapia do futebol

Nascida em La Plata, província de Buenos Aires, Mara iniciou no futebol ainda na infância, em uma escolinha para meninos. Na época, ainda reconhecida pelo gênero masculino, ela não se sentia confortável no ambiente.

Foi apenas aos 15 que a paixão pelos gramados começou a surgir, justamente quando sentiu a necessidade de realizar a transição de gênero. O processo de hormonização, junto à burocracia da mudança do nome social, fizeram a adolescência – que por si só já é uma fase complicada – ainda mais difícil. 

“Comecei a jogar por diversão e senti que o futebol era como uma terapia para mim. Eu estava passando por muitas coisas emocionalmente, e foi isso que me ajudou a passar por tudo. Eu sempre digo que o futebol salvou minha vida. Só fui me interessar mesmo quando estava passando por um montão de problemas emocionais. Nunca tinha passado pela cabeça ser jogadora.” 

PUBLICIDADE

Caso na AFA

Apesar de incorporada ao elenco do Villa San Carlos, Mara ainda não assinou contrato. Isso porque a reposta da AFA (Associação do Futebol Argentino) sobre sua participação na Superliga sai apenas em 15 de março. “Estou ansiosa pela resposta da AFA. As informações sobre a decisão não são muitas, então existe essa preocupação, mas enquanto isso estou aproveitando cada momento da pré-temporada”, finalizou. 

Leia mais:

Malu Schwaizer revela paixão de família no Internacional: “Sonho realizado”

Por que 2019 foi um dos melhores anos para o futebol feminino?

Better Collective