“É um momento meu e dele. Ele não entende regras, gols, nem nada. Mas ele sente o amor, e sente o que sinto. Será sempre o nosso momento de alegria e ligação de pai para filho. A sensação de ver milhares cantando, vibrando e ele sendo contagiado no estádio me realizou como pai”. Este relato é de Thiago Galhardo. Ele é pai de Murilo Rocha Galhardo, de quatro anos, diagnosticado com autismo de alto funcionamento.
Murilo mora com o pai e com a mãe. Tem restrição social. Estranha pessoas e lugares, apesar da inteligência. Nascido em junho de 2014, ele não se interessava por bola, carrinho e nem nada do tipo. Foi então que, com dois anos de idade, veio a confirmação de autismo.
“Por mais que já suspeitássemos de algo, foi um baque. É praticamente um luto, parece que aquele filho tão planejado deixa de existir, aquele que seria meu companheiro de estádio, que ia jogar bola comigo”, contou Thiago. “Fui conhecendo, entendendo melhor as dificuldades e desafios dele. Eu virava as noites em pesquisas, tentando entender o que é o autismo e como lidar melhor com isso”, completou.
Apesar da restrição social moderada, Murilo, de alguma forma, é apaixonado por estádio. Mais precisamente pelo Allianz Parque, casa do Palmeiras, onde assistiu ao último jogo do Campeonato Brasileiro de 2018 e a entrega da taça de campeão. A paixão, passada por Thiago, fez Murilo estar nos ombros do pai e sorrir aos gritos de “é campeão”.
— Thiago Galhardo (@ttgalhardo) 5 de dezembro de 2018
A história até o estádio
Antes do diagnóstico, o pai, que sempre o vestiu com roupinhas do Palmeiras e cantava o hino do clube para ele dormir, o levou ao Morumbi. A partida era entre São Paulo e Palmeiras. Terminou empatada por 1 a 1, e o garoto dormiu a maior parte do jogo. Com o início de tratamento, a psicopedagoga da criança percebeu que ele tinha uma preferência por símbolos, numerais e placas. E o pai, receoso com o que o barulho poderia causar, parou de levá-lo ao estádio. Para não deixar o clube totalmente de lado, apresentou o escudo, que o fez reconhecer o Palmeiras.
Murilo faz tratamento de segunda a sexta em uma clínica de intervenção comportamental, além de fonoaudiologia, terapia ocupacional e educação física. Ele tinha um atraso na fala e no andar. Sempre quieto, precisou aprender libras – a linguagem de sinais – para se comunicar. Agora já desenvolveu um pouco a fala, e consegue formar pequenas frases. Frequenta uma escola normal, onde conta com a ajuda de uma auxiliar em tempo integral.
Crianças com autismo têm tendência a criar uma rotina. Murilo costuma se adaptar a elas. Na escola que frequenta atualmente, teve muitas dificuldades no primeiro mês, mas passou a gostar depois. Já fez os pais saírem de shoppings e casas de amigos por não se sentir bem. Foi no estádio que teve a adaptação mais rápida.
A relação de Murilo com o futebol é parecida com a de Nickollas Grecco, de 11 anos, deficiente visual. Ele vai ao Allianz Parque com a mãe, Silvia Grecco, que “narra” as partidas ao garoto. Os dois ficaram conhecidos neste ano, na partida entre Palmeiras e Corinthians, em setembro, quando o Verdão venceu por 1 a 0. Na transmissão da Rede Globo, o repórter Marco Aurélio Souza contou o caso, que ganhou destaque mundial.
A repercussão chegou aos ouvidos de Thiago Galhardo, que, encorajado pela história de Nickollas, resolveu levar o filho Murilo de volta ao estádio. Foi no clássico entre Palmeiras e Santos, em novembro, vencido pelo Alviverde por 3 a 2. “Estava preparado para ir embora nos primeiros dez minutos. Entrei no estádio uma hora e meia antes do começo do jogo, para facilitar a adaptação dele”, contou. Houve choro e uma certa rejeição de início. Mas toda a preocupação foi à toa. “Ele começou a pular no meu colo, a bater palmas. As 40 mil pessoas não o assustavam. Ele pulava no barulho da torcida, foi encantando a todos em volta. Um sonho realizado”.
Murilo assistiu às partidas seguintes da campanha do título alviverde ao lado do pai. Ele não presta atenção no jogo. Prefere olhar o cronômetro, que o chama mais a atenção. Segundo Thiago, ele não entende sobre o jogo, mas sente o que é torcer para o Palmeiras. Os dois voltaram ao Allianz Parque na partida contra o Vitória, com o título já consolidado. Por ter uma memória boa, o garoto lembrou do local e da experiência anterior.
Antes de irem ao estádio, os pais levaram Murilo para a festa de aniversário de uma amiga da escola. Ele não falava com ninguém e queria ir embora. Foi o suficiente para assustar Thiago. “Tive um baita receio dele continuar assim [durante a partida]. Mas, não. Parecia outra criança. Fogos, rua lotada, nada disso o intimidou”, contou. A alegria demostrada foi, segundo o pai, inédita. “Nem em circo, zoológico, parque, nada. Ele é muito acostumado com a rotina. Até os caminhos entre escola e casa eu preciso fazer sempre os mesmos. Se mudo uma rua, reclama”.
Entusiasmado com o ânimo do filho, Thiago postou um vídeo no Twitter contando a história e agradecendo ao Palmeiras. A repercussão foi grande. Até o Twitter oficial do clube agradeceu Murilo por “fazer parte da família Palmeiras”. “Estou recebendo mensagem do Brasil inteiro, de torcedores de vários times. E também muitos pais ou familiares de autistas perguntando como fiz para levá-lo, técnicas, qual a reação dele”, contou Thiago. “Estou ajudando eles a amadurecerem a ideia de também levar os filhos”, completou.
O futuro
“No passado eu me importava muito com o julgamento das pessoas quando ele tinha uma crise. Hoje eu tiro de letra, nada me abala. Como o autismo não é visível fisicamente, muitas vezes acham que é birra, falta de pulso dos pais, mimado. Mas, não, é apenas uma forma dele demonstrar sua insegurança com o ambiente”, conta o pai.
Thiago sempre quis passar a paixão pelo Palmeiras e futebol ao filho. Agora, como tem conseguido, luta para que ele possa ter uma vida normal. “Espero que cada vez mais consigamos inseri-lo na sociedade e que os jogos do Palmeiras possam ser o maior lazer”. Para isso, quer continuar levando, enquanto perceber que está sendo bom para o tratamento. “Meus amigos amam a presença dele, são todos entusiastas. Já virou o mascote da turma”.
Os dois jogos deste ano vistos in loco por Murilo, contra Santos e Vitória, terminaram com vitória do Palmeiras por 3 a 2. Em ambos o Verdão saiu vencendo por 2 a 0, tomou o empate e conseguiu sair vencedor. Também foram as duas únicas partidas em que Edu Dracena fez gol – o que fez Thiago considerar que Murilo é o “talismã do Dracena”.
Mas, além de talismã do jogador, o garoto é o orgulho do pai. “Minha função é mostrá-lo tudo que existe nesta vida, e ele julgar se vai gostar ou não. Poder passar a paixão pelo Palmeiras para ele era algo que até então eu nem cogitava. Ele me surpreende a cada dia”.
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