Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a derrota para os Estados Unidos em San Diego e o início de ciclo com Arthur Elias no comando da equipe brasileira
A derrota para os Estados Unidos na decisão da Copa Ouro pode ser encarada de diversas maneiras. Há quem prefira ver as lições que ficam para a seleção feminina e para Arthur Elias (que teve erros e acertos na competição). E há quem aponte a necessidade e a urgência do processo de renovação da equipe brasileira.
Certo é que o escrete canarinho só conseguiu jogar bem por vinte minutos e só. Depois disso, a equipe de Alex Morgan, Crystal Dunn, Lindsey Horan, Emily Fox e Rose Lavelle se impôs na base da experiência, da qualidade técnica e da força mental. Esse último ponto, aliás, é um dos grandes problemas da seleção feminina junto com os constantes erros nas tomadas de decisão. Falta também alguém de personalidade, que chame a responsabilidade dentro de campo.
O vice-campeonato na Copa Ouro traz sim muitas lições para a equipe brasileira. E a principal delas talvez seja a necessidade de uma mudança de atitude, algo que vá além das pranchetas e dos scouts. Algo que faltou em veteranas como Bia Zaneratto e Debinha quando o Brasil mais precisou diante das suas fortes adversárias.
Seleção feminina começa bem, mas Estados Unidos se impõem na base da experiência
Sem Rafaelle e Ary Borges (ambas lesionadas), Arthur Elias mandou o Brasil a campo no seu 3-4-3 costumeiro, com Thaís formando o trio de zagueiras com Tarciane e Antônia, Duda Santos e Duda Sampaio no meio-campo e Gabi Portilho encostando em Bia Zaneratto e Gabi Nunes no ataque. A seleção feminina começou bem a partida, forçando as jogadas pelo lado direito, mas não demorou muito para que a equipe sentir a forte pressão dos Estados Unidos na saída de bola.
Além das dificuldades na saída de bola, o Brasil também apresentava problemas na compactação da equipe. Por mais que a linha de cinco defensoras estivesse bem posicionada, o espaço entre as alas e zagueiras era um dos pontos fracos do sistema defensivo. A jogada do gol de Lindsey Horan já vinha sendo ensaiada desde o começo do jogo com as chegadas de Emily Fox pelo lado direito e a indecisão de Yasmim e Thaís na marcação. Faltava também ajuda do ataque.
Vale destacar também que o gol dos Estados Unidos praticamente acabou com a concentração da seleção feminina. O time (que já encontrava dificuldades para ficar com a bola no primeiro tempo) passou a errar ainda mais e em lances bobos. Via-se aí também a falta de uma jogadora que controlasse mais o jogo no lado brasileiro. Duda Sampaio estava bem marcada e Bia Zaneratto (apesar do trabalho razoável sem bola) não conseguia dar sequência a nenhuma jogada.
Desorganização e falta de concetração ficam evidentes no segundo tempo
Quem esperava uma melhora na segunda etapa se deparou com uma seleção feminina ainda mais desorganizada e sem criatividade. Mesmo com os Estados Unidos recuando um pouco suas linhas para dosar o fôlego, Gabi Portilho, Bia Zaneratto e Gabi Nunes não conseguiram sair da marcação estadunidense e ficaram “encaixotadas” na frente da área. Além disso, o meio-campo pouco produziu em matéria de triangulações e passes por baixo. O Brasil estava perdido em campo.
Vitória Yaya e Geyse foram para o jogo, mas pouco acrescentaram. E nem mesmo uma mudança rápida para um 4-4-2 mais nítido conseguiu organizar a seleção feminina na segunda etapa. O lance do gol anulado de Lynn Williams por impedimento é um bom exemplo dessa desatenção e dessa falta de concentração da equipe de Arthur Elias mencionada anteriormente. Não faltou vontade. Muito pelo contrário. Faltou é colocar a cabeça no lugar nos momentos decisivos da partida.
A falta de concentração e de uma referência técnica também causaram os velhos erros nas tomadas de decisão em todos os setores. É a defesa que escolhe um bote na hora errada, é o meio-campo que salta para a pressão de maneira atabalhoada ou é o ataque que prefere a jogada individual ao invés do passe (o lance de Geyse no final da partida é emblemático). Seja como for, a seleção feminina deixou a desejar demais. Mesmo jogando contra os Estados Unidos.
Sem perseguição: veteranas deixam a desejar na seleção feminina
É verdade que a seleção feminina sai da Copa Ouro com pontos positivos. As jogadoras parecem ter um entendimento melhor dos conceitos de Arthur Elias e o time teve bons momentos na competição. Por outro lado, a boa campanha não pode esconder a necessidade de se pensar numa renovação mais profunda. Este que escreve entende que há pouco tempo para iniciar esse processo visando os Jogos Olímpicos de Paris e que, apesar de tudo, o Brasil ainda pode surpreender.
Por outro lado, a falta de poder de decisão de algumas veteranas em momento em que mais se precisam delas escancaram a necessidade de se “passar o bastão” para as mais novas. Confiar menos nos resultados imediatos e mais no processo. E se quisermos que a geração de Marta tenha uma continuidade, isso precisa ser feito o mais rápido possível.
Não se trata de perseguição com esta ou aquela jogadora. É apenas a constatação da necessidade de se buscar alternativas dentro do material humano que temos. De nada adianta termos toda uma geração que conquistou um terceiro lugar numa Copa do Mundo Sub-20 se estas jogadoras ganham poucos minutos em comparação com quem está lá há algum tempo. Já chegou a hora de algumas mãos serem largadas na seleção feminina. É isso ou veremos o mesmo papo de coach em todo resultado ruim.