Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação do Brasil e as mudanças que melhoraram o time na segunda etapa
Este que escreve precisa confessar que ficou um pouco surpreso com a boa atuação coletiva da Seleção Feminina neste sábado (28). É verdade que o grupo já tem um certo entrosamento e que o técnico Arthur Elias já conhece boa parte das jogadoras que foram convocadas para os amistosos contra o Canadá. A vitória em Montreal veio apenas no último minuto de jogo, com Debinha acertando chute que desviou em Buchanan e Gilles antes de morrer nas redes da ótima goleira Sheridan. No entanto, quem viu o jogo com atenção percebeu que o novo treinador da Seleção Feminina já tem alguns dilemas nesse início de trabalho. Ainda mais pela forma como o Brasil melhorou seu desempenho no segundo tempo.
É bom lembrar que o técnico Arthur Elias já havia apresentado a formação que mandaria a campo na sua estreia durante o período de treinos em Teresópolis. Por isso, não foi surpresa pra ninguém quando Marta e Cristiane apareceram na escalação divulgada uma hora antes da partida contra o Canadá. E o que se viu em campo foi mais ou menos a mesma coisa que vimos na Granja Comary: um 3-4-3 bem nítido que trazia Marta e Cristiane um pouco mais à frente, Geyse ocupando um dos lados do ataque, Luana e Ary Borges protegendo o trio de zagueiras e Tamires e Adriana nas alas.
Vale lembrar que a formação colocada em campo neste sábado (28) lembra um pouco a forma como o Corinthians jogou na última Libertadores. Havia compensações na marcação para desafogar Marta e Cristiane e muita intensidade pelos lados. O grande receio deste que escreve estava no adversário. Já se sabe que o Canadá tem um jogo bem físico e jogadoras muito técnicas. Bev Priestman, inclusive, apostou numa formação parecida com a do Brasil, com Jade Rose mais contida pela direita para liberar Ashley Lawrence para o apoio ao ataque quase como uma ponta.
Depois de um início mais hesitante, a Seleção Feminina se impôs na base da conhecida pressão alta. Além disso, a saída de Jessie Fleming (justo quem organiza a saída de bola do Canadá) facilitou ainda mais a vida do Brasil. No entanto, faltava o capricho na conclusão das jogadas e mais velocidade para encontrar os espaços na última linha. Não foi por acaso que as melhores chances do Brasil saíram de chutes de longa distância ou de jogadas pelos lados do campo com Adriana e Tamires. Mais atrás, o trio de zagueiras se comportou bem e passou por poucos sustos. Lauren jogou mais centralizada e contou com Antônia e Rafaelle para fazer a saída de bola com Luana e Ary Borges.
Apesar do bom primeiro tempo em Montreal, estava claro que a Seleção Feminina precisava de mais fôlego e um pouco mais de intensidade no campo ofensivo. A saída de Cristiane e Marta para a entrada de Gabi Nunes e Bia Zaneratto passa por esse ponto e já é um dos grandes dilemas de Arthur Elias nesse início de trabalho. Como manter as duas jogadoras mais importantes do país sabendo que elas não entregam o mesmo desempenho? Como compensar a falta de combatividade e de fôlego contra adversários mais fortes do que o organizado Canadá de Bev Priestman?
Ficou muito claro que o Brasil cresceu no segundo tempo com as substituições feitas pelo técnico Arthur Elias. A formação não mudou, mas a Seleção Feminina passou a ocupar mais o campo de ataque e a aproveitar mais o espaço entrelinha. Bia Zaneratto entrou no lugar de Geyse e se revezou com Debinha na criação das jogadas. Enquanto isso, Gabi Nunes dava a profundidade e o jogo mais físico que Cristiane não conseguiu dar no primeiro tempo. O Brasil subiu o sarrafo na segunda etapa e criou vários problemas para a goleira Sheridan com boas triangulações por dentro.
Angelina, Gabi Portilho e Duda Sampaio ainda entraram em campo antes de Antônia roubar a bola de Deanne Rose e servir Debinha. A camisa 7 dominou e contou com o deslocamento de Gabi Nunes arrastando a zaga antes de finalizar e ver a bola bater em Buchanan e Gilles antes de entrar. Notem que a jogada do gol nasceu de um dos conceitos mais trabalhados por Arthur Elias nas suas equipes: a pressão pós-perda. As mudanças feitas pelo treinador (principalmente no setor ofensivo) deram as condições para que o Brasil pudesse encaixar melhor essa marcação mais alta em cima das canadenses. Destaque para o bom jogo coletivo de Adriana e para a dinâmica colocada por Gabi Nunes no ataque.
A Seleção Feminina se comportou bem contra o Canadá e foi capaz de manter a pressão alta e a marcação intensa por um tempo considerável diante do Canadá. Por outro lado, o desempenho só melhorou de verdade com as substituições feitas por Arthur Elias depois do intervalo. E isso não deixa de ser um dilema e tanto para o treinador brasileiro. A segunda etapa nos mostrou um time muito mais intenso e muito mais ligado depois da saída de Cristiane para a entrada de Gabi Nunes (atacante que já pede passagem há algum tempo). Enquanto a camisa 23 deu mais profundidade e melhorou nosso jogo físico, Debinha e Bia Zaneratto foram importantes na ocupação da entrelinha. Isso ficou bem claro.
A questão aqui não é decretar a aposentadoria de Cristiane e Marta, mas apenas mostrar como o esporte mudou e pede muito mais intensidade do que há alguns anos. E quem não acompanha esse ritmo acaba ficando para trás. A Copa do Mundo vencida pela Espanha literalmente esfregou isso na cara de todos os concorrentes ao título. É por isso que o encaixe das duas jogadoras mais importantes da história do futebol feminino no Brasil está se transformando num verdadeiro desafio para Arthur Elias. Ainda mais sabendo que o nível de exigência só vai aumentar.