Não é de hoje que este que escreve afirma que toda convocação de Seleção Brasileira sempre será alvo de contestação. Esse talvez seja o principal motivo pelo qual o técnico Fernando Diniz resolveu apostar na escolha mais óbvia (e também a mais segura) na convocação dos vinte e três atletas que vão disputar as partidas contra Venezuela e Uruguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Isso e (é claro) o pouco tempo para treinamentos e assimilação dos seus conceitos específicos de jogo. A base do grupo que venceu Bolívia (jogando bem) e Peru (jogando mal) no mês de setembro foi mantida com algumas pequenas mudanças forçadas por lesões e escolhas do próprio Fernando Diniz.
Também é preciso lembrar que a “era do Dinizismo” na Seleção Brasileira tem apenas duas partidas, o que nos dá um recorte extremamente pequeno para análises mais profundas. Fora isso, a própria dinâmica do futebol de seleções (com jogos mais espaçados e menos tempo para treinamentos) já dificulta todo esse processo. Mesmo assim, já foi possível identificar alguns elementos característicos do estilo de jogo trabalhado por Diniz nas suas equipes. Saída pelo chão, aproximação entre os jogadores, toques rápidos, tabelas e muita intensidade nas trocas de passe perto da área. É nesse ponto que a manutenção da base do elenco se justifica. É necessário assimilar as ideias.
Bom, mesmo as escolhas óbvias e seguras são passíveis de críticas. Lembrem-se de que o futebol é movido a caos e alimenta algumas dos nossos sentimentos mais profundos. No entanto, sem querer entrar num terreno mais abstrato e mais “poético”, é possível entender sim as escolhas de Fernando Diniz. Por mais que tenhamos nomes como Douglas Luiz (ótimo volante do Aston Villa) e Arthur Cabral (atacante do Benfica) de fora da lista (e que mereciam sim chances com a camisa amarelinha), precisamos reconhecer que faz sentido se manter mais ou menos a base das últimas partidas. Pelo menos nesse início de ciclo enquanto todos os conceitos estão sendo trabalhados com os jogadores.
Isso porque mesmo o “Dinizismo” também precisa de tempo para ser assimilado. Não é errado afirmar que foi isso que levou Fernando Diniz a apostar numa formação bem semelhante àquela que disputou a última Copa do Mundo com Tite com algumas poucas mudanças por convicção e/ou lesão. Ederson entrou no gol, Gabriel Magalhães e Renan Lodi ocuparam as vagas de Thiago Silva e Alex Sandro na defesa, Bruno Guimarães jogou no lugar de Lucas Paquetá (afastado por conta das investigações de apostas ilegais) e Rodrygo no lugar de Vinícius Júnior (lesionado). No papel, um 4-2-3-1. Na prática, uma formação móvel, bastante fluida e que dependia muito do posicionamento dentro de campo.
Conforme mencionado anteriormente, nenhuma lista de convocados será unânime. Sempre vai aparecer alguém que aponte a ausência deste ou daquele jogador e outro que aponte a presença de um nome que não era muito esperado. Nesse caso, a “bola da vez” é o volante Gerson. Fernando Diniz fez questão de elogiar o camisa 20 do Flamengo na entrevista coletiva do último sábado (23) por conta de tudo que viu em campo quando comandava o Fluminense. De fato, não estamos falando de nenhum “bagre”. Por outro lado, fica difícil imaginar onde Gerson se encaixaria na Seleção Brasileira e que função poderia exercer no time ainda mais sabendo de algumas dos seus problemas no jogo sem bola.
A questão aqui é que a melhor versão de Gerson em 2023 (e com o próprio Jorge Sampaoli no Olympique de Marselha) surgiu quando ele passou a jogar um pouco mais à frente, seja pelo lado do campo ou mais por dentro. E nesse ponto, entender o que o treinador pretende com cada convocação é o grande X da questão. Difícil imaginar que Fernando Diniz pense em Gerson como volante sabendo das suas limitações no jogo sem bola. Pode ser que o técnico da Seleção Brasileira pense numa solução para encaixar o jogador do Flamengo numa posição semelhante a que jogou nas suas melhores atuações nessa temporada. E todas as alternativas indicam um posicionamento mais próximo de um “10”.
No entanto, isso não resolve a questão em si. Gerson será reserva imediato de Bruno Guimarães? Será reserva de Neymar? Foi convocado apenas para “compor o grupo” e nada mais? Por mais que se entenda algumas das escolhas de Fernando Diniz, é possível sim questionar boa parte delas baseado naquilo que o treinador da Seleção Brasileira tanto prega. Difícil entender a ausência de Douglas Luiz nas últimas listas ou até mesmo as apostas frequentes em nomes que estão em baixa. É verdade que as lesões de Joelinton e Gabriel Martinelli dificultam um pouco as coisas. E talvez a opção por Gerson tenha seguido esse caminho “mais fácil”: o de convocar alguém que joga aqui no Brasil.
Certo é que Fernando Diniz parece resoluto. Seu plano de jogo e seus conceitos já foram elogiados publicamente pelos líderes da Seleção Brasileira e a impressão que fica é a de que a convocação de Gerson ou de qualquer outro nome fora do radar não deve ser lá muito problema. Isso, é claro, se o Brasil vencer seus próximos desafios e sofrer bem menos do que sofreu contra os peruanos em Lima. Mesmo com pouco tempo em prática, o “Dinizismo” é o grande alvo das análises. Sejam elas feitas com o fígado ou com o cérebro.