Antes de mais nada, é preciso deixar bem claro que Dorival Júnior merecia mais respeito por parte da diretoria do Flamengo. Você pode pensar o que quiser, mas iniciar as negociações com Vítor Pereira enquanto se falava para a imprensa que a renovação com o treinador campeão da Copa do Brasil e da Libertadores “estava encaminhada” (nas palavras deles) não é um bom exemplo de ética e coerência. Seja como for, fato é que o Mais Querido do Brasil tem um novo comandante e deve ter um estilo de jogo bem diferente daquele que víamos com Dorival Júnior. Isso porque Vítor Pereira tem todo um jeito característico de montar suas equipes. Boa parte das suas ideias e conceitos foram vistos na sua passagem pelo Corinthians.
É verdade que Vítor Pereira vai encontrar no Flamengo um cenário muito mais favorável em termos de qualidade individual e opções de jogo do que encontrou no Timão. Além da manutenção de boa parte do elenco que venceu a Copa do Brasil e a Libertadores no ano passado, VP ainda terá o volante Gerson (que retornou ao clube depois de um ano e meio defendendo o Olympique de Marselha), jogador que se encaixa dentro do seu sistema de jogo conforme vamos ver mais adiante. A grande questão, no entanto, é saber como Vítor Pereira vai implementar seu estilo de jogo num Flamengo acostumado com as ideias de Dorival Júnior.
Assim como acontece em toda mudança de treinador em qualquer time do mundo, o técnico português vai precisar de tempo e paciência para colocar suas ideias em prática. Vítor Pereira usou no Corinthians sistemas como o 4-3-3 (seu preferido) e o 3-4-3 (com Fábio Santos jogando como zagueiro pela esquerda), mas a formação inicial pode variar conforme a necessidade. Por outro lado, é possível apontar algumas características bastante presentes nas suas equipes. Duas delas são a saída apoiada através dos volantes. É importante que todos saibam jogar de costas para a pressão e tenham bom passe.
É verdade que o Flamengo jogava num 4-3-1-2/4-3-3 com Dorival Júnior, mas as semelhanças param por aí. Vítor Pereira usa métodos diferentes para organizar o sistema ofensivo. Ao invés de aglomerar jogadores no setor onde está a bola, o treinador português aposta numa formação que lembra muito um 3-2-5 nos momentos de posse de muita amplitude. O posicionamento dos atacantes (ou pelo menos de quem está nessa linha ofensiva) pode variar dependendo da situação e do contexto de cada jogada. Isso era bem comum no Corinthians. Se Yuri Alberto abria pelo lado esquerdo, um dos pontas (Róger Guedes ou Adson) joga mais por dentro e um dos volantes ocupa o espaço que seria do centroavante.
Vítor Pereira mencionou uma “estrutura transformer” nos tempos em que comandava o Shanghai SIPG ao falar da sua predileção pelo 4-3-3 e pelo 3-4-3 (formações utilizadas nas suas passagens por 1860 München e Fenerbahçe). A ideia, segundo o próprio português falou ao portal “Mais Futebol” (de Portugal) é a adaptação a linhas mais coordenadas e a espaços mais reduzidos. A busca por soluções para criar espaços nas defesas adversárias e criar a “surpresa” do ponto de vista estratégico é um dos grandes objetivos. Não é um treinador que gosta de cadenciar o jogo. Seu estilo é mais direto e isso ficou claro no Corinthians.
Sem a bola, os times de Vítor Pereira podem variar da pressão mais alta e agressiva no campo adversário ou até baixar as linhas em bloco médio ou até mesmo em bloco mais baixo. Tudo depende do contexto de cada partida. Falando especificamente do Corinthians, o time se fechava num 4-1-4-1 com volantes e pontas saltando dos seus setores para tentar retomar a posse e iniciar os contra-ataques em alta velocidade. A ideia era fechar os espaços e evitar os passes de ruptura por dentro. Apesar disso, não era raro ver o Timão sofrendo contra adversários que sabem usar o espaço entrelinhas. Como o próprio Flamengo fazia.
Um dos jogadores que pode ganhar muito protagonismo com Vítor Pereira é Pedro. Isso porque o treinador português gosta de atacantes que saibam segurar a bola no ataque e distribuir o jogo fazendo o pivô. O novo camisa 9 do Flamengo já exercia esse papel com Dorival Júnior saindo da esquerda para dentro e buscando Arrascaeta para a tabela e o passe em profundidade. No Corinthians, era Renato Augusto quem exercia esse papel com Róger Guedes jogando mais por dentro para “compensar” a falta de combatividade do camisa 10 quanto a equipe do Parque São Jorge era atacada. Não era raro ver Du Queiroz, Fausto Vera e até mesmo Fagner ou Fábio Santos aparecendo em diagonal dentro da área adversária.
Uma das perguntas mais feitas pelos torcedores do Flamengo é como Vítor Pereira vai acomodar Gabigol, Pedro, Arrascaeta e Everton Ribeiro. Vimos que ele tem sua mobilidade (mesmo com a linha de cinco atacantes), mas VP não é muito adepto das duplas de ataque. Mesmo assim, a movimentação de Yuri Alberto e o posicionamento de Róger Guedes mais por dentro no Corinthians podem nos dar uma pista. Não será surpresa para este que escreve se Vítor Pereira adaptar seu 4-3-3 costumeiro às características dos jogadores. Pedro pode jogar mais avançado com Gabigol e Arrascaeta mais por dentro e com os laterais subindo mais ao ataque para dar amplitude. E ainda há Gerson, Vidal, João Gomes, Bruno Henrique, Varela, Filipe Luís, Ayrton Lucas…
Independente do que Vítor Pereira afirmou na sua saída do Corinthians (e sem menosprezar o alvinegro do Parque São Jorge), está claro que ele vai encontrar no Flamengo muito mais opções para brigar por títulos e se manter no topo. No entanto, a grande pergunta que eu e toda a torcida rubro-negra se faz no momento é uma só. Como VP vai adaptar seu estilo às características de um elenco vitorioso, cascudo e que mostrou grande futebol jogando de maneira bastante diferente do que ele pensa? Cartas para o Ninho do Urubu.