O dia 23 de outubro, entre outras coisas, comemora o nascimento do Rei do Futebol. Edson Arantes do Nascimento, que ainda jovem se tornou Pelé, nasceu nessa data, em 1940. Entre tantas taças levantadas, momentos históricos e mais de mil tentos anotados, um lance, que infelizmente não balançou as redes, nunca deixou a memória do amante do esporte bretão.
A data precisa do “quase feito” em questão é 03 de junho de 1970. O estádio Jalisco, em Guadalajara (México), foi palco do sonoro 4×1 do Brasil sobre a Tchecoslováquia, na estreia da seleção naquela Copa do Mundo. Os bicampeões do Mundo mostraram que não foram à América do Norte a passeio. Porém, a grande virada da Canarinho, nem mesmo os gols anotados por Jairzinho (duas vezes), o “furacão da Copa”, Rivelino e Pelé foram o maior destaque da partida.
Abaixo é possível ver o lance em questão. Entretanto, o caso refuta a possibilidade de “uma imagem valer mais que mil palavras”. O brilhante jornalista Nelson Rodrigues, em sua crônica “O Grande Sol do Escrete”, publicada no jornal O Globo poucos dias depois do jogo, relatou de forma singular os momentos presenciados naquele dia.
“Recomeça a partida e Pelé estava ainda no campo brasileiro. Apanha a bola. E, súbito, recebe a visita do próprio gênio. Viu que o goleiro tcheco (Ivo Viktor) estava fora de posição, muito adiantado. Fez, então, o que não ocorreria a ninguém. De onde estava, deu um prodigioso tiro de cobertura. A TV, que não sabe fantasiar e tem o escrúpulo da mais exata veracidade, descreveu-nos o lance.
A câmera, numa tomada por trás do gol, mostra toda a curva implacável da bola. Por um momento, ninguém entendeu. Por que Pelé não passou? Por que atirava de tão espantosa distância? E o goleiro custou a perceber que era ele a vítima. Seu horror teve qualquer coisa de cômico. Pôs-se a correr, em pânico. De vez em quando, parava e olhava. Lá vinha a bola. Parecia uma cena de ‘os três patetas’. E, por um fio, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados — viram a bola tirar o maior fino da trave. Foi um cínico e deslavado milagre não ter se consumado esse gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol.”
Fato é que a bola saiu a 108 km/h do pé direito de Pelé, carinhosamente batizado de “Petrônio” pelo escritor Ziraldo. O irmão do elegante pé esquerdo “Pelegrino”, cujo sonho era ser bailarino, não fez feio. Na verdade, talvez a maior beleza do lance tenha sido justamente a bola não ter entrado. Por capricho do destino, a bola simplesmente passou rente à trave esquerda, encerrando a épica jogada em um mero tiro de meta.
Veja o lance:
Os rápidos segundos foram suficientes para chocar a todos. Até hoje, qualquer tento anotado de forma similar, arriscado do meio de campo, é reverenciado como “o gol que Pelé não fez”.
Para o poeta Carlos Drummond de Andrade, “o difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé”. Sendo assim, mais complicado ainda seria fazer justamente o que Pelé não fez.