Este que escreve sempre se acostumou a esperar muito do Barcelona por conta de uma série de memórias afetivas. E não é por acaso que a presença de Xávi Hernández no comando do escrete blaugrana reative as lembranças do timaço comandado por Pep Guardiola (uma das maiores de todos os tempos na opinião de muita gente gabaritada). No entanto, as últimas partidas da equipe catalã na atual temporada nos mostraram um Barcelona que passa por um período de maturação e irregularidade. Muito disso passa pelas escolhas do clube no mercado de transferências e também pela própria adaptação ao estilo baseado no “jogo de posição” à altíssima intensidade nos nossos tempos.
É lógico que muitos vão lembrar que Xavi Hernández está há quase um ano no Barcelona e que muita coisa já deveria estar consolidada no time. Ao mesmo tempo, as chegadas de Raphinha, Lewandowski, Kessié num elenco que já contava com Ter Stegen, Busquets, Pedri, Frenkie de Jong, Dembélé e Ansu Fati já bastariam para fazer com que o clube suba de patamar. Por outro lado, eu e você sabemos que as coisas não funcionam assim no velho e rude esporte bretão. A forma como o Barça foi derrotado pelo Real Madrid no último final de semana é um bom exemplo de como a equipe catalã ainda precisa atingir um nível maior de maturidade em jogos onde a exigência é maior do que a média.
Xavi Hernández repetiu seu 4-3-3 costumeiro com Frenkie de Jong próximo de Busquets e Pedri com Raphinha e Dembélé pelos lados, linhas altas de marcação e a tentativa de repetir a postura agressiva dos Barcelona dos tempos de Pep Guadiola (uma das suas referências). No entanto, mesmo criando problemas para a defesa do Real Madrid em vários momentos da partida disputada no último domingo (16), o escrete blaugrana apresentou problemas mais crônicos no sistema defensivo (onde a última linha sofreu para conter a movimentação de Valverde, Vinícius Júnior e Benzema nas costas de Busquets, Koundé e Eric García) e o ataque pecou demais pelo preciosismo em alguns lances do “El Clasico”.
A opção de Xavi Hernández por um time que pratique o “jogo de posição” é válida diante do contexto e da sua própria vivência no clube. Por mais que sofra na defesa, o ataque formado por Dembélé, Lewandowski e Raphinha consegue criar boas chances de gol quando acelera o passe e explora a profundidade do campo com jogadas pela linha de fundo. Alguns dos melhores momentos do Barcelona no “El Clasico” aconteceram quando a inversão do 4-3-3 para o 2-3-5/3-2-5 bem conhecida de quem acompanha o clube blaugrana. Faltava, no entanto, um pouco de objetividade no último passe e um pouco mais de capricho, de ajustes mais finos quando a bola chegava perto da área adversária.
No caso da partida contra o Real Madrid, vimos um adversário que fechava bem o meio da área com Tchouaméni, Kroos, Modric e Valverde e que saía em alta velocidade com bolas para Benzema e Vinícius Júnior. No entanto, a irregularidade que vimos no último domingo (16) foi percebida no empate em 3 a 3 com a Internazionale pela Liga dos Campeões. Mesmo tendo mais posse e mais finalizações durante os noventa e poucos minutos disputados no Camp Nou, o escrete comandado por Xavi Hernández oscilou demais e permitiu que o time comandado por Simone Inzaghi conseguisse criar boas chances e chegasse a três gols. Se não fosse o oportunismo de Lewandowski, as coisas poderiam ter ficado ainda mais difíceis.
É interessante notar que a reação da Internazionale aconteceu depois do primeiro tempo, período em que o Barcelona dominou as ações do jogo. E tudo sem mudar muito seu jeito de jogar e apenas explorando as deficiências do escrete comandado por Xavi Hernández na recomposição defensiva. A facilidade que Lautaro Martínez, Dumfries, Gosens e companhia encontravam para furar a defesa blaugrana e explorar o posicionamento de Piqué e Eric García era considerável. E tudo isso fechando a entrada da área e explorando bastante os lados do campo, setor onde o Barcelona (pelo menos nas partidas citadas nesta análise) mostrou mais dificuldade na marcação. E isso sem mencionar os espaços entre as linhas.
Pode-se falar na escalação de um ponta pela esquerda de origem no Barcelona (se bem que podemos pensar em Ansu Fati, Dembélé e até mesmo em Raphinha no setor) ou em qualquer outra escolha para o time em termos de nomes. No entanto, a impressão que fica para este que escreve é a mesma do companheiro e “professor” Rafael Marques Oliveira (fundador da Performa Consultoria). Existem trabalhos iniciais que duram mais tempo do que os outros por conta dos processos. Até mesmo uma temporada inteira. E levando em consideração que os bastidores do Barcelona não ajudam muito, esse cenário ainda deixa a tarefa de se formar um time competitivo ainda mais complicada.
O Barcelona perdeu a liderança do Campeonato Espanhol para o Real Madrid e tem chances remotas de classificação para as oitavas de final da Liga dos Campeões da UEFA. Além disso, a falta de consistência percebida em jogos onde a exigência física e mental é mais alta já é perceptível. Xavi Hernández sabe dos problemas e da urgência em resolvê-los. Resta saber se haverá tempo para tal diante do caos que tomou conta do Barcelona.