Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a atuação da equipe de Lionel Scaloni na Finalíssima contra a Itália de Roberto Mancini
É bem possível que o leitor do TORCEDORES pense que este colunista está chovendo no molhado ao fazer a afirmação do título desta humilde análise tática. Só que o favoritismo da Argentina na Copa do Mundo não é mera formalidade. O escrete comandado por Lionel Scaloni vem sim muito forte para o Mundial do Catar e a vitória acachapante sobre a Itália comprova essa tese. Não somente pelo placar elástico, mas pela forma como a Albiceleste construiu o resultado em cima da atual campeã da Eurocopa. Há quem diga que a Squadra Azzurra não é mais “aquela” Squadra Azzurra muito por conta dos fracassos na classificação para as Copas de 2018 e 2022. Por outro lado, ver a Argentina se impondo diante da Itália de Roberto Mancini e dominando completamente a partida é argumento suficiente para colocá-la como uma das seleções mais fortes do planeta.
Não se trata apenas de se olhar o resultado final. Todos os lances da partida disputada nesta quarta-feira (1) e a maneira como os três a zero foram construídos ao longo dos noventa e poucos minutos nos levam para essa conclusão. Além do excelente material humano (Messi, Di María, Tagliafico, Lautaro Martínez, Julián Álvarez, Dybala, De Paul e companhia) à disposição, o técnico Lionel Scaloni conseguiu transformar todo esse elenco num time sólido, consistente e muito forte nas transições ofensivas. Além de ser muito forte quando o assunto é ataque, a Albiceleste parece ter corrigido um dos seus maiores problemas na Copa do Mundo da Rússia: a fragilidade no seu sistema defensivo.
Isso porque De Paul, Guido Rodríguez e Lo Celso se encaixaram muito bem no time titular de Lionel Scaloni. O 4-3-3/4-4-2 protegia bem a dupla de zaga, diminuía espaços na frente da área e ainda tinha muita velocidade nos contra-ataques com Messi jogando com total liberdade. Aliás, ver Chiellini, Bonucci, Jorginho e companhia perseguindo o craque da camisa 10 (sem sucesso) resume bem o que foi essa Finalíssima. Fora isso, a intensidade colocada em cada lance e a inspiração dos principais jogadores são provas suficientes da qualidade desse time. Esqueça tudo que se viu em 2018. A Argentina tem qualidade de sobra e força para bater de frente com qualquer outra seleção.
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É verdade que a Itália começou a partida tentando se impor no campo de ataque e fechando as saídas da Argentina jogando no 4-3-3 preferido de Roberto Mancini. Jorginho, Pessina e Barella marcavam e armavam as jogadas de ataque e fizeram o goleiro Emiliano Martínez trabalhar em finalizações de Raspadori e Belotti. No entanto, bastou que o escrete comandado por Lionel Scaloni adiantasse as suas linhas e começasse a forçar a saída de bola sustentada da Squadra Azzurra para que o cenário da partida fosse modificado. O gol marcado por Lautaro Martínez (marcado aos 27 minutos do primeiro tempo) nasceu de jogada individual de Messi. Mas é bom lembrar que a posse da bola só foi retomada porque Tagliafico pressionou Bernardeschi e Lo Celso tirou o espaço de Jorginho na intermediária. Pressão forte no portador da bola e marcação encaixada.
A vantagem no placar fez com que a Argentina mudasse sua estratégia e baixasse as suas linhas para aproveitar a lentidão de Chiellini e Bonucci e os espaços às costas da última linha da Itália. Não foi por acaso que a jogada do segundo gol da Albiceleste (marcado por Di María aos 45 minutos da primeira etapa) foi construído num contra-ataque puxado por Lautaro Martínez ainda no campo de defesa. O escrete comandado por Lionel Scaloni teve intensidade, concentração, foi móvel e muito vibrante em toda a partida. E vale destacar também mais uma atuação de manual de Lionel Messi. Mesmo sem balançar as redes, o camisa 10 se transformou no melhor jogador em campo com muita movimentação, trocas de posição e passes decisivos. Prestes a completar 35 anos de idade, ainda é um dos principais nomes do futebol mundial e parece muito à vontade na Argentina.
Aliás, uma das características mais marcantes dessa Argentina é a capacidade de se adaptar a diferentes contextos. Embora a Itália tenha criado mais chances de gol no primeiro tempo, a equipe de Roberto Mancini simplesmente não viu a cor da bola nos 45 minutos finais. A movimentação do quarteto ofensivo foi o grande responsável pelo aparecimento das crateras na defesa da Squadra Azzurra (apesar da péssima atuação coletiva da atual campeã da Eurocopa). Messi recuava até a defesa para ajudar na criação das jogadas e ajudou a abrir os espaços que Di María, Lautaro Martínez e os demais companheiros de equipe atacavam sempre que eram acionados com passes mais longos. Ao mesmo tempo, os volantes De Paul e Guido Rodríguez davam opção de passe mais pelos lados e se comportavam como “seguranças” do camisa 10. A Argentina jogava bem e se impunha com relativa facilidade.
O goleiro Donnarumma ainda salvou a Itália de um vexame ainda maior com defesas providenciais. Mas não conseguiu segurar o chute cruzado de Dybala aos 48 minutos do segundo tempo. Os três a zero em Wembley saíram até barato para uma Itália que tentou equilibrar o jogo no começo da partida, mas foi perdendo força com o passar do tempo. E isso não diminui em nada os méritos da Argentina de Messi, Di María, Lionel Scaloni e companhia. A vitória sobre a Squadra Azzurra também coloca um fim (pelo menos momentaneamente) no discurso que defende a “superioridade inquestionável” das seleções europeias sobre as equipes sul-americanas. A maneira como a Albiceleste construiu o resultado e levantou o título da Finalíssima é sim marcante. Ainda mais quando se sabe que a UEFA virou as costas para o resto do mundo e encheu as “datas-FIFA” com a Liga das Nações.
A Argentina vem forte para a Copa do Mundo e todos nós sabemos disso. Negar o favoritismo e o peso de uma das camisas mais vitoriosas de todos os tempos é assinar o atestado de “bolaplanismo” e fechar os olhos para o óbvio. E parafraseando Pep Guardiola, a equipe que tem Lionel Messi não pode ser subestimada. Muito menos quando o camisa 10 se mostra muito mais à vontade com a camisa da sua seleção.