Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como a expulsão de Gabriel Dias condicionou as escolhas e as estratégias de Tiago Nunes e Marcão
Um dos pontos que mais gera polêmica nas discussões o velho e rude esporte bretão hoje em dia está no uso de retrancas e na adoção de posturas mais conservadoras. É o que se convencionou chamar de “jogar por uma bola”. No entanto, a grande maioria parece se esquecer de que futebol é contexto e que nada acontece por acaso. Tudo tem uma razão de ser, um motivo, uma razão ou uma circunstância. Tomemos a vitória do Ceará sobre o Fluminense como exemplo. O Vozão abriu o placar logo aos seis minutos de jogo com Vina convertendo penalidade de Nino em cima de Jael. Pouco depois, com a expulsão (justa) de Gabriel Dias após entrada dura em cima de Marlon, o escrete comandado por Tiago Nunes se fechou na defesa e simplesmente não deixou o time de Marcão criar chances. Por mais que a retranca seja considerada o “patinho feio” das estratégias, saber se defender também é uma arte e uma das mais incompreendidas do futebol atual. Se o Ceará saiu de campo vitorioso, muito se deve ao seu sistema defensivo.
#Brasileirão 🇧🇷
🆚| #CEAxFLU 1-0
⚽️| Vina
——
📊 Estatísticas:📈 Posse: 28% – 72%
👟 Finalizações: 8 – 18
✅ Finalizações no gol: 2 – 1
🛠 Grandes chances: 1 – 0
☑️ Passes certos: 151 – 482💯 Notas SofaScore 👇 pic.twitter.com/aEy8ue4mid
— Sofascore Brazil (@SofascoreBR) October 31, 2021
É bom que se diga que o gol marcado logo no início de partida e a expulsão de Gabriel Dias pouco depois da metade da primeira etapa condicionaram tudo o que veio depois na partida deste domingo (31), na Arena Castelão. Tiago Nunes (que havia apostado num 4-2-3-1 de muita mobilidade do trio de meias e com as boas chegadas de Fernando Sobral ao ataque) teve que sacar Jael para a entrada de Igor com o claro objetivo de fechar a última linha de defesa do Ceará. Diante de um 4-4-1 bem compactado (que tinha Vina no comando de ataque servindo os velozes Mendoza e Erick), o Fluminense pouco pôde fazer já que pouco se movimentava e abusava da lentidão na troca de passes na frente da área. Por mais que André fizesse bem sua função na distribuição do jogo e na saída de bola, faltava intensidade ao escrete tricolor. Principalmente quando a equipe das Laranjeiras chegava na intermediária. Luiz Henrique, Caio Paulista, Abel Hernández simplesmente “aceitaram” a marcação adversária e pouco fizeram em campo.
Do outro lado, o Fluminense mostrava muitas dificuldades para impor seu estilo de jogo. Não somente pela ótima atuação do sistema defensivo do Ceará, mas por todo o conjunto da obra que envolvia a péssima tarde de Luiz Henrique e Caio Paulista (muito mal nas tomadas de decisão e afobados demais quando tinham a posse da bola), a insegurança de Martinelli na distribuição do jogo e a maneira como Jhon Arias foi “engolido” por Fabinho e Fernando Sobral no meio-campo. As únicas saídas do escrete comandado por Marcão estavam nas laterais. Samuel Xavier e Marlon chegavam com frequência ao ataque, mas assim que Tiago Nunes acertou o posicionamento dos seus jogadores, o Vozão se impôs na Arena Castelão. Além disso, Vina mostrou mais uma vez por que é o jogador mais importante do Ceará desde o ano passado. Enquanto teve fôlego, o camisa 29 foi importantíssimo na distribuição do jogo no meio-campo e ainda foi tormento constante para Nino e David Braz quando foi jogar como referência móvel no ataque. Mais uma grande atuação.
Vina (30 anos) entre os jogadores do @CearaSC pelo @Brasileirao desde 2020 (57 jogos):
1º em gols (16)
1º em assistências (10)
1º em passes decisivos (121)
1º em grandes chances criadas (12)
1º em chutes certos (54)
1º em cruzamentos certos (86)
1º em Nota SofaScore (7.23)— Sofascore Brazil (@SofascoreBR) October 31, 2021
O Fluminense voltou para o segundo tempo com Fred e Gustavo Apis nos lugares de Caio Paulista e André. Com substituições, o Tricolor das Laranjeiras mudava para um 4-4-2 que dava mais profundidade e explorava as bolas aéreas para Fred e Abel Hernández. No entanto, o escrete comandado por Marcão só conseguia levar perigo real quando acelerava as jogadas pelos lados do campo. O Ceará, por sua vez, explorava bem os espaços que surgiam entre o meio-campo e a defesa e encaixou bons contra-ataques com Mendonza, Fernando Sobral e Vina. Isso até Tiago Nunes radicalizar de vez com a entrada de Gabriel Lacerda no lugar de Erick e a adoção de um 5-3-1 que mais lembrava um ônibus estacionado na frente da área. E é nesse ponto que mora a beleza de uma retranca bem organizada. Ao contrário do que muitos podem achar, o Vozão não abriu mão do ataque. Apenas se adequou ao contexto da partida e jogou de acordo com suas possibilidades. Vitória justa que premia equipe que melhor executou sua proposta de jogo.
Ao contrário do que muita gente pensa, existe sim beleza na retranca e num sistema defensivo mais organizado e compactado. Não aquele que denota e escancara o jogo monotemático de alguns treinadores mais famosos do nosso futebol atual, mas aquele que se se adapta ao contexto de um jogo e que não permite que uma equipe abra mão do ataque. Exatamente como fez o Ceará de Tiago Nunes numa vitória importantíssima contra um Fluminense sem criatividade e sem muita inspiração no jogo deste domingo (31). Ainda que o escrete comandado por Marcão tenha balançado as redes com Lucca (em lance anulado pelo VAR) e levado perigo com Bobadilla nos acréscimos, fica a certeza de que Fred e companhia poderiam ter feito muito mais do que apenas levantar bolas na área a partir da intermediária contra um “ônibus” estacionado na frente dela. Ficou claro que faltaram ideias para superar a marcação do time da casa e organização ofensiva para que o futebol de Fred pudesse ser potencializado da melhor forma num Fluminense meio perdido em campo.
Saber se defender é uma das artes mais incompreendidas do velho e rude esporte bretão. É preciso ter cuidado para não confundir o bom funcionamento de um sistema defensivo com a pura e simples retranca adotada por uns e outros. Tiago Nunes conseguiu fazer com que o Ceará marcasse e fechasse espaços sem abdicar do ataque. Nesse ponto, o Vozão foi preciso em cada movimento e esteve bastante concentrado nos espaços que apareceram no campo ofensivo. Destaque para Vina, Erick, Fernando Sobral e (principalmente) Fabinho.
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