Oitava troca de treinador em 22 meses afunda cada vez mais o clube no abismo e não dá à torcida o vislumbre de dias melhores
A derrota nos minutos finais para o Juazeirense, seguida pela perda nos pênaltis da vaga nas oitavas de final da Copa do Brasil, representou muito mais para o Cruzeiro do que os R$ 2 milhões a que teria direito se avançasse na competição que só ele conquistou seis vezes. O fiasco na terra de João Gilberto, às margens do Rio São Francisco, se inclui entre os maiores vexames da história do centenário clube mineiro, cada vez menos respeitado pelos adversários.
A demissão do treinador Felipe Conceição adicionou uma pitada de fermento na crise instalada na Raposa desde que a reportagem de Gabriela Moreira e Rodrigo Capelo no Fantástico, em maio de 2019, desnudou a quadrilha que agia nos bastidores celestes. Ação essa que deixou um time que tanto enchia sua torcida de vaidade em situação falimentar, sem crédito na praça, cobrado aqui e ali numa sucessão de processos que interfere diretamente na produção em campo ‒ má produção, óbvio.
Conceição, qualquer observador se lembra muito bem, vinha se perdendo no comando. Com escolhas questionáveis na escalação da equipe e na administração do elenco. Como relegar a segundo plano o atacante Marcelo Moreno, que de fato marcou poucos gols desde que desembarcou pela terceira vez na Toca da Raposa, ano passado. Quase sem receber a bola para finalizar, foi por muitos classificado como ex-jogador em atividade.
Não pode ser ex-jogador um cara que, em cinco jogos que fez nas Eliminatórias da Copa do Mundo, é o artilheiro da competição com seis gols pela Seleção Boliviana, que está longe de ser uma força. Mas lá ele recebe as bolas que endereça às redes adversárias, entre essas a Argentina de Messi. A ponto de despertar o interesse do Boca Juniors, que acaba de ficar sem Carlitos Tévez. Algo está errado, portanto, na maneira como Moreno é aproveitado no clube com quem tem contrato.
O relacionamento com Rafael Sóbis, uma ilha de inteligência no time celeste, também complicou a situação de Conceição. Que não gostou de ser cobrado pelo experiente atacante após mais uma substituição, contra o CRB, e o barrou do jogo diante do Juazeirense. Sem aproveitá-lo em nenhuma das cinco substituições que fez, quase todas para defender um 0 a 0 que classificava a equipe. O gol do time baiano saiu aos 40 minutos do segundo tempo.
Trocar de treinador tem sido uma constante no Cruzeiro desde o término da longa era Mano Menezes em agosto de 2019. Vieram Rogério Ceni, Abel Braga, Adílson Batista, Enderson Moreira, Ney Franco, Luís Felipe Scolari e Felipe Conceição. Sérgio Santos Rodrigues assumiu a presidência em meio à era Enderson. A partir daí, as trocas são de sua responsabilidade, bem como a fracassada campanha na Série B sem acesso à elite. Mudanças que refletem uma gestão errática, incapaz de tirar o time da crise.
Dono dos Supermercados BH, principal patrocinador cruzeirense, Pedro Lourenço se afastou de Sérgio. Nos bastidores, comenta-se que a família Perrella também. É nesse ambiente fragmentado, em que os cartolas que causaram o rombo financeiro continuam conselheiros e ninguém ainda foi punido, que a Raposa tenta sair do atoleiro.
Cada vez mais isolado, Sérgio contratou na semana passada o diretor de futebol Rodrigo Pastana, que estava no CSA. Envolvido em polêmicas na carreira, sua chegada desagradou à torcida. Ainda mais que o novo dirigente escolheu para o lugar de Conceição um treinador de apenas dois trabalhos e menos de um ano no futebol profissional: Mozart, ex-volante do Coritiba, Flamengo e Seleção Olímpica em Sydney’2000. Ele terminou a Série B de 2020 no CSA, junto com Pastana, e comandou a Chapecoense no Campeonato Catarinense, sendo dispensado após perder para o Avaí a decisão do título.
A revolta é grande entre torcedores e boa parte do Conselho. Pedro Lourenço, que, patrocínio à parte, vinha socorrendo o Cruzeiro em pendências financeiras pontuais, avisou que nem atenderá mais telefonemas do presidente. Ele entende que o momento era para um treinador mais experiente, capaz de administrar o elenco e contornar a insatisfação dos jogadores preteridos por Conceição.
Lanterna e único time sem pontos na Série B após as duas primeiras rodadas, o Cruzeiro recebe o Goiás, quinto colocado, neste sábado, no Mineirão. Já com ocupante novo à beira do campo. Um tiro no escuro. Não custa lembrar que o regulamento aprovado pelas agremiações para as duas principais divisões do Campeonato Brasileiro só dá direito a uma troca de treinador. Quem apelar para a segunda terá de usar solução interna. Ou seja, se o novato Mozart repetir o fracasso da turma que o antecedeu, o destino cruzeirense na Segunda Divisão em 2021 cairá nas mãos de um interino.
O centenário Cruzeiro Esporte Clube, um gigante do futebol brasileiro e sul-americano, se desidrata em vez de se reerguer.
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