Um olhar sobre como a chegada do vitorioso QB mudou a cultura da franquia de Tampa Bay, que voltou ao Super Bowl após 18 anos
“Se eu não fizer isso, nunca vou saber o que poderia ter conseguido. Querer fazer algo é diferente de fazê-lo. Se eu estivesse no pé de uma montanha e dissesse a mim mesmo que poderia escalar o pico mais alto, mas não fizesse nada a respeito, qual seria o sentido disso?
Estou tentando fazer coisas que nunca foram feitas no meu esporte. Isso também é divertido para mim, porque sei que posso fazê-las. Quando uma equipe lhe dá a oportunidade de fazer essas coisas com eles, bem … se não com eles, quem?”
O trecho acima está na parte final da carta aberta de Tom Brady após sua saída do New England Patriots. O texto do camisa 12 foi publicado no The Players’ Tribune, plataforma exclusiva para dar voz a atletas.
Dez meses depois, os Tampa Bay Buccaneers – a franquia com a pior porcentagem de vitórias (.387) dentre as maiores equipes esportivas profissionais norte-americanas -, retornam, enfim, ao Super Bowl após 18 anos.
Brady: “Ainda não acabamos”
“Por que ***** você está chorando? Ainda não acabamos”. Revelada por Lavonte David no podcast “All Things Covered”, a frase de Brady para um companheiro emocionado após a conquista da NFC acima de tudo ilustra o papel do quarterback na impressionante caminhada do time até o Super Bowl 55.
Afinal, em seu primeiro ano, Brady e os Buccaneers superaram as adversidades do ano atípico. O desafio era superar as limitações de treino e integração importas pelo distanciamento . Ainda em março de 2020 falávamos sobre Brady e Chris Godwin se conhecendo por videochamadas.
As dificuldades da pandemia, porém, não impediram que Brady assumisse rapidamente seu papel de liderança, ainda mais importante na pós-temporada após a conquista da NFC, o ponto mais alto da carreira de boa parte não só do time mas também de boa parte do staff, já que os Bucs não chegavam aos playoffs desde 2007.
Perseguindo um Bowl maior
Um dos principais papeis de Tom Brady, aliás, foi convencer os companheiros de que o sucesso do time é mais importante e significativo a longo prazo do que o passageiro sucesso individual.
“Algumas semanas atrás, eu estava meio chateado por não ter chegado ao Pro Bowl, e ele me disse ‘D, eu estou perseguindo um Bowl maior que esse. Todos nós estamos. Vamos lá.’”, contou Devin White, um dos grandes responsáveis por colocar Tampa Bay entre as melhores defesas da NFL em 2020.
“E eu só pensei, cara, é uma bênção ouvir isso. Eu preciso ouvir isso. Isso aqui é sobre nós. Ele ainda está caçando Bowls depois dos 40 anos. Estou muito grato por poder passar este tempo com ele”, completou White.
Perguntado sobre qual o maior diferencial que Brady trouxe ao time, o RB Ronald Jones foi enfático. “Eu diria que com a preparação. Ele sempre nos puxa para o lado e nos dá coisas para buscar”, disse Jones antes da final contra os Packers.
Dúvidas
Poucas transferências na NFL foram tão comentadas, teorizadas e repercutidas quanto a saída de Tom Brady após quase 20 anos como pilar da dinastia mais longeva e vitoriosa da história da liga. Citada diversas vezes como a maior parceria técnico-QB de todos os tempos, a era Belichick -Brady chegava ao fim após 3 anos em que mesmo as conquistas não disfarçavam completamente o desgaste.
Embora pouco se questione o status de Tom Brady como o melhor de todos os tempos, não eram poucas as dúvidas sobre o nível de atuação possível para um QB de 43 anos em um novo sistema após 20 anos em que ajudou a construir o chamado “Patriot Way”.
Ele se habituaria a um novo sistema, absolutamente diferente? O problema de 2019 fora mesmo o corpo de recebedores e a proteção falha? Ele ainda conseguiria lançar para as big plays usadas por Bruce Arians? Ele se acostumaria a uma franquia que não teve protagonismo na NFL durante quase toda a sua carreira profissional até então?
Brady responde
Novo sistema? Foram 43 Touchdowns, 40 deles aéreos na temporada regular, a segunda maior marca da carreira de Brady e o bastante para quebrar mais um recorde de Peyton Manning, com o maior número de passes para TD na primeira temporada em um novo time.
2019? Finalmente com armas ofensivas em profusão e uma proteção competente – além da volta aos campos de Rob Gronkowski -, Brady oscilou mas entregou o que se pedia em campo. De big plays a conversões memoráveis de quarta descida e, acima de tudo, sua visão estratégica e compreensão única do jogo. E se o ataque estava em dificuldade, surgiam até jogadas com Gronk com a cara do playbook de New England.
Falta de protagonismo? Mesmo se acertando em meio à temporada, o time foi campeão da NFC passando por cima de todos os favoritos. Agora, o Super Bowl.
Enfim, os resultados confirmam o pensamento de Bruce Arians. O treinador disse a Peter King, da NBC, ainda em março: “Precisamos que o Tom ensine esses caras a vencer, ensine esses caras como serem profissionais. Mal posso esperar para ver o impacto que ele tem nos nossos jogadores”.
Colaboração em Tampa
Colaboração. Essa talvez tenha sido a palavra mais repetida nas frases de bastidores sobre o que técnico e QB esperavam da nova relação. E o espírito parece ter se transformado na cultura do time, com uma nova liderança.
“A maneira como ele lida com os jogadores mais jovens”, disse Arians, questionado sobre o que destacaria sobre Brady. “Ele é mais um treinador. Ele realmente é. Quero dizer, a parte atlética é chocante para um cara de 43 anos, mas a maneira como ele lida com jovens e velhos. Ele está orientando sem parar”, seguiu. E ainda brincou: “Isso sempre me irrita. Eu digo algo para um jogador e eles só olham. Ele diz, e eles respondem ‘Ok, Tom, farei isso.’”
Apesar do papel de mentor, Brady também conseguiu construir uma grande parceria com o coordenador ofensivo. “Ele veio e me disse desde o primeiro dia: ‘Apenas me treine, diga-me o que você quer’. Obviamente, trabalhamos juntos do ponto de vista do plano de jogo, mas ele é realmente um cara que diz ‘Eu vou pro campo executar a jogada – independentemente da que você chamar – em um alto nível’”.
Encontrando Bruce Arians
Apelidado de “anti-Belichick” após fisgar Tom Brady com seu estilo de trabalho focado nos jogadores, Arians recebeu esta semana uma grande declaração do QB.
“Pude conhecê-lo e falar com ele durante o free agency. Toda a pandemia estava em andamento, era muito difícil desenvolver um relacionamento real”, disse Brady sobre os primeiros contatos com o novo técnico.
“Mas falamos pelo Zoom com os capitães em um ponto e tivemos algumas partidas de golfe que foram muito divertidas. Só para entender sua personalidade, entender seu passado…. Eu tinha visto o “A Football Life” dele, vi muitas outras coisas” disse Brady, citando a série da NFL Films disponível no Game Pass – e certamente o All Or Nothing do Arizona Cardinals, que torna impossível resistir ao carisma de Arians e sua mentalidade “quem não arrisca não petisca”.
Todos querem vencer por Arians
“Ele é um grande homem, um grande líder, uma grande pessoa, um grande amigo, muito leal. Ele simplesmente tem uma ótima maneira de se comunicar de forma eficaz com todos por aqui. Todo mundo tem um carinho muito grande por ele, pela pessoa que ele é. Não há ninguém que diria algo ruim sobre BA. Ele é tão cativante para todos e acho que todos querem vencer por ele”, afirmou Tom.
“Acho que é isso que você quer fazer por um treinador – você quer vencer por ele. Ele se dedica muito ao trabalho, e espera muito em troca, tem grandes expectativas para nós todos os dias no treino. Estou muito animado para que ele seja reconhecido da maneira como ele é. Eu sei que ele foi duas vezes Treinador do Ano, mas acaba de fazer um trabalho incrível este ano com a equipe em situações realmente adversas. Adoro jogar para ele”, finalizou Brady sobre o comandante dos Bucs.
Os Buccaneers de Bruce Arians e Tom Brady enfrentam o atual campeão Kansas City Chiefs no próximo domingo, pelo Super Bowl 55.