O TORCEDORES.COM inicia neste domingo (24) uma série de reportagens especiais sobre os 50 anos da conquista da Copa do Mundo de 1970; primeiro capítulo da série traz o início da formação do time, o trauma de 1966 e as “feras do Saldanha”
Falar da conquista da Copa do Mundo de 1970 é algo que traz à tona os sentimentos mais puros de qualquer amante do velho e rude esporte bretão. Mesmo quem não era nascido na época já ouviu falar daquele que é considerado o “maior time de todos os tempos”, das arrancadas de Jairzinho, dos lançamentos de Gerson, da fibra de Carlos Alberto Torres, da categoria de Tostão e da majestade do Rei Pelé, talvez o grande símbolo do nosso futebol e o motivo pelo qual muitos amam esse esporte. No entanto, assim como toda história tem um começo, aquela equipe não surgiu por geração espontânea e nem mesmo pela simples reunião dos nossos craques dentro de campo. Ela começaria a ser formada a partir de um trauma e do fim de uma geração extremamente vitoriosa do nosso futebol. Mais precisamente no dia 19 de julho de 1966, no Goodison Park, em Liverpool. Justo na terra dos Beatles.
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Bicampeão mundial em 1958 e 1962, a Seleção Brasileira era considerada uma das grandes favoritas ao título da Copa do Mundo em 1966, realizada na Inglaterra. O otimismo e o clima de “já ganhou” acabaria por contaminar imprensa, torcedores e até mesmo jogadores e comissão técnica. Vicente Feola (técnico do título de 1958) formou uma Seleção com quase 50 atletas e levaria para a Inglaterra um grupo formado por veteranos das duas Copas anteriores (Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando Peçanha, Pelé, Zito e Garrincha) e por jogadores que viriam a encantar o mundo quatro anos mais tarde (Brito, Gérson, Tostão, Jairzinho e Edu). Mesmo assim, muita gente ainda tenta entender os motivos que levaram Feola a deixar nomes como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Servílio e outros fora da lista final de convocados. Apesar da desorganização (e da alta média de idade da equipe), o Brasil era apontado como um dos favoritos ao título da competição. Pelo menos por aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=PKenl_bG-KY
A Seleção Brasileira estreou no Mundial com vitória sobre a Bulgária por 2 a 0, com gols de Pelé e Garrincha, sem jogar tão bem quanto se esperava. Mas a derrota para a Hungria por 3 a 1 (sem Pelé, que estava lesionado) na segunda rodada foi um balde d’água fria na comissão técnica. Tanto que Vicente Feola promoveu nove mudanças no time titular. Mas nem mesmo contando com jogadores mais jovens e com “mais fôlego”, o Brasil conseguiria segurar o ótimo Portugal de Eusébio, Coluna e Vicente (aquele mesmo que caçou Pelé por todo o campo e deixou o Rei fazendo número no lado esquerdo). No entanto, a ficha que deveria ter caído meses antes, caía como uma pedra na cabeça de Vicente Feola. Seu 4-2-4 espaçado e sem força na marcação via os “Magriços” tomarem conta do jogo com grandes jogadas, bom toque de bola e uma baita atuação de Eusébio, autor de dois gols na vitória por 3 a 1 naquele dia 19 de julho de 1966. A geração de Zito, Garrincha, Djalma Santos e Gilmar se despedia de maneira melancólica. Mas algo grandioso estava por vir.
A campanha da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1966 foi pífia. Depois da vitória sobre a Bulgária, os comandados de Vicente Feola perderam para Hungria e Portugal. O 4-2-4 utilizado pelo Brasil era espaçado e o time não conseguia igualar as demais equipes no preparo físico.
Além da desorganização nos bastidores, vale destacar que jogadores e comissão técnica estranharam e reclamaram demais do jogo mais duro dos adversários na Inglaterra. Já não havia tanto espaço para pensar o jogo e fazer a bola rolar. Simultaneamente, vimos uma série de mudanças táticas, como a introdução do 4-4-2 pela Inglaterra de Sir Alf Ramsey com o recuo dos pontas Ball e Peters e a utilização de apenas dois atacantes (Hurst e Hunt). Mais congestionamento no meio-campo e mais valorização do preparo físico. Difícil não concluir que o grande pecado da Seleção Brasileira foi não entender o que estava acontecendo e não estudar as razões por trás da campanha ruim na terra da rainha. Tanto que o Brasil só jogaria quatro amistosos em 1967 (comandados por Aymoré Moreira e Zagallo) e só voltaria a disputar uma partida oficial em 1968, contra o Uruguai, pela antiga Copa do Rio Branco. Até mesmo Pelé se afastaria da Seleção Brasileira e só retornaria dois anos mais tarde.
A Copa do Mundo de 1966 trouxe várias novidades para a Seleção Brasileira. A primeira delas foi o nascimento do 4-4-2 na campeã Inglaterra (com o recuo dos pontas Peters e Ball). E a segunda foi o crescimento da importância do preparo físico. Não havia mais espaço para crias as jogadas no meio-campo.
A escolha da antiga CBD para comandar o Brasil nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970 foi surpreendente. João Saldanha, considerado o comentarista de rádio mais popular do país e declaradamente comunista, foi convidado por Antônio do Passo (então diretor da CBD) para comandar a Seleção Brasileira. Vale lembrar que João Saldanha só havia atuado como treinador de 1957 a 1959 no Botafogo (onde se sagraria campeão carioca logo no seu primeiro ano com treinador ao ver sua equipe goelar o Fluminense por 6 a 2 na partida decisiva). Mesmo assim, o “João sem Medo” foi um dos grandes responsáveis pela recuperação do prestígio da Seleção Brasileira junto aos torcedores. Falava em “feras” e esbanjava confiança junto à imprensa. No dia 5 de fevereiro de 1969, o “João sem medo” foi entrevistado no lendário Repórter ESSO (na antiga TV Tupi) sobre a convocação da equipe para as Eliminatórias e o sistema tático que seria utilizado. O vídeo é do canal do Arquivo Nacional no YouTube.
Mas o grande trunfo de Saldanha foi seguir a mesma lógica do italiano Vitorio Pozzo e do húngaro Gusztáv Sebes: jogadores que atuam juntos com frequência têm mais chances de se compreender mutuamente. Montou a Seleção Brasileira num 4-2-4 típico daqueles tempos, tendo o Botafogo e o Santos como base e adotou um estilo mais agressivo, de ataque constante sem privilegiar tanto a posse de bola. Mas os jogadores sabiam como fazer a redondinha passar de pé em pé quando era necessário. A estreia de João Saldanha aconteceu no dia 7 de abril de 1969, num amistoso contra a boa seleção do Peru (já comandada por Didi), no Beira-Rio, em Porto Alegre. A Seleção Brasileira estava escalada assim: Félix; Carlos Alberto, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Gerson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Tostão e Pelé. Um time sem centroavante e sem ponta-esquerda. O Brasil venceu a partida por 2 a 1 e mostrou muitas dificuldades para vencer o escrete de Cubillas, Gallardo e Miffin.
João Saldanha escalou a Seleção Brasileira com Dirceu Lopes no meio e Tostão e Pelé se revezando no comando de ataque. A equipe se caracterizava mais por agressividades do que pelo toque de bola, mas empolgou a torcida com bons resultados.
A lógica de Saldanha era simples: se somos os melhores, vamos partir pra cima e os adversários que se defendam. Não por acaso, a campanha da Seleção Brasileira nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970 beirou a perfeição. Foram seis vitórias nos seis jogos contra Colômbia, Venezuela e Paraguai, com 23 gols marcados. Foi nesse período que João Saldanha implementou seu 4-2-4 quase imutável com dois pontas abertos, dois pontas de lança se revezando no comando de ataque, dois jogadores armando o jogo no meio-campo e dois defensores. O jogo emblemático dessa época foi a vitória suada sobre o Paraguai no dia 31 de agosto de 1969, num Maracanã tomado por 183.341 torcedores. O maior público pagante do futebol em todos os tempos viu a Seleção Brasileira esbarrar na bem armada defesa adversária até marcar o único gol da partida com Pelé aos 33 minutos do segundo tempo. O Brasil entrou em campo com: Félix; Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu.
https://www.youtube.com/watch?v=WeMAFJzKQAU
Três dias depois de assegurar a vaga na Copa do Mundo de 1970, a Seleção Brasileira fez um amistoso contra a Seleção Mineira (representada pelo Atlético Mineiro de Dario, Grapete, Cincunegui e Yustrich) e acabou perdendo por 2 a 1 no Mineirão. Já em março de 1970, o time faria dois amistosos contra a Argentina em solo brasileiro num período bastante conturbado para João Saldanha, para o escrete canarinho e para o Brasil como um todo. Tanto que o “João sem medo” deixaria o cargo de técnico da equipe para a chegada de Zagallo. Mas isso é papo para a segunda parte do nosso especial sobre os 50 anos da conquista do Tricampeonato Mundial.
FONTES DE PESQUISA:
Site oficial da CBF
RSSSF Brasil
Arquivo Nacional no YouTube
A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Escola Brasileira de Futebol, de Paulo Vinícius Coelho (Editora Objetiva)
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