A pausa no futebol nos permite voltar a olhar com calma para o passado. E com um carinho e uma riqueza de detalhes que, muitas das vezes, passam desapercebido pela velocidade impiedosa com que mundo atual nos abastece de informações.
Em época de pandemia, é tempo também de nostalgia. Uma oportunidade, inclusive, para fazer alguns reparos históricos (não histéricos, como gostam alguns). A de hoje é com Russinho, o primeiro grande artilheiro do Vasco.
Um craque tão esquecido que sua morte, em 1992, ganhou apenas uma notinha de seis linhas no Jornal dos Sports, ao lado da tabela da 2ª divisão do Carioca juvenil, e uma citação na coluna de Sérgio Noronha, no Jornal do Brasil. Essa última, já com o anúncio da missa de 7º dia do último camisa negra campeão carioca de 1929, considerado o primeiro grande Vasco – com Jaguaré, Brilhante, Molla, Fausto e outras maravilhas.
É possível que muitos outros soubesse de sua partida – a espiritual, não mais no campo -, mas poucos fizeram questão de registrá-la na época. Pouparam linhas para quem nunca poupou as redes.
Hoje até corte de cabelo de jogador é notícia. Outros tempos.
Alguns sites informam inclusive a data errada de sua morte, que ocorreu em 14 de agosto daquele ano. Por muito pouco o esquecimento não fez do artilheiro um ‘imortal’.
No site oficial do Vasco, Russinho não passa de uma nota de 93 palavras. É menos da metade dos gols que marcou com a camisa vascaína. Muito menos.
Russinho merece mais.
Dizer que foi o primeiro grande artilheiro cruz-maltino não é uma mera constatação de tempo ou uma breve opinião, é um fato consumado apesar do desleixo com que sua história é (pouco) contada. E até dos erros.
O torcedor talvez o conheça da lista dos maiores goleadores cruz-maltinos de todos os tempos. É o nome que figura logo abaixo de Roberto Dinamite, Romário, Ademir Menezes e Pinga. O menos celebrado dos cinco. Não pela posição que ocupa, mas pelo esquecimento do tempo. E é função do jornalismo estreitar esse espaço.
Russinho é tão subvalorizado que lhe roubaram inclusive alguns gols pelo Vasco.
Fui atrás dos números do goleador, jogo por jogo, gol a gol – algo que só a quarentena permite -, desde a sua estreia pelo Camisas Negras contra o Andaraí, seu ex-clube, em 27 de abril de 1924. E descobri que o atacante não só fez tudo o que os poucos registros contam, como fez muito mais.
Foram 230 gols em 253 jogos pelo Vasco. Contados e recontados manualmente através do ótimo Almanaque do Vasco, livro lançado no ano passado. Bem mais que os 174 tentos em 205 atuações – o que já seria um grande feito – divulgados pelo clube no fim do ano passado em postagem em sua homenagem no dia de seu nascimento – 18 de dezembro.
Dos mais de 200 gols, 44 foram marcados em clássicos. Quatorze deles sobre o Flamengo, incluindo os quatro na goleada histórica por 7 a 0 em 1931. O atacante deixou sua marca também no 6 a 0 sobre o Fluminense, em 1930 – foram dez sobre o Tricolor. Quem mais sofreu, no entanto, foi o Botafogo, clube que defenderia entre 1935 e 1938, quando encerrou a carreira. O Glorioso sofreu 20 gols do artilheiro – marca batida somente por Dinamite.
Russinho foi o primeiro atacante vascaíno a alcançar as marcas de 50, 100 e 200 gols pelo clube. Um craque que depois ainda virou dirigente e até técnico interino. Uma vida dedicada ao Vasco.
O vascaíno talvez nem soubesse precisamente qual era o prazer de comemorar um gol até Russinho chegar ao clube. Haviam sido apenas 358 tentos antes de sua chegada, em oito temporadas. Em 11 anos, o atacante, sozinho, fez 230, o equivalente a 65% do total anterior.
Foram 25 em seu ano de estreia entrando em campo apenas 22 vezes. Média superior a um por duelo.
Feito que repetiu em 1926, quando marcou 34 em 28 partidas. Em 1928, estufou as redes em 29 oportunidades que teve nos 30 jogos que realizou. Na temporada seguinte, 31 gols em 31 confrontos. Em 31, 33 em 34.
Não, não era bingo. Era simplesmente Russinho empilhando números que não merecem ficar no esquecimento.