Um blaser bem cortado, um braço coberto de tatuagens, um corte inovador de cabelo, uma camisa retrô de um time “cool”, a camisa do campeonato mais importante do seu time….
O que sabemos sobre os antigos flertes entre a moda e o futebol?
Branca de bolinhas azuis: Moda e Futebol
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Um dia desses fiz uma palestra na escola onde estudei a vida toda em Campinas, a Comunitária (ECC). Na ocasião, fui convidada para falar sobre esportes com alunos de 6 e 7 série. Naquele dia eu vestia uma camisa da seleção francesa feminina, da nike, estreiada durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino, na França, em 2019.
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Branca, bolinhas azuis, logo da nike e da FFF em laranja florescente claro e… detalhes da bandeira da França próximo à nuca! Um luxo só, para quem curte ou não futebol.
Ao questionar os alunos sobre qual era a minha profissão relacionada aos esportes, ouvi a seguinte sugestão:
-Você trabalha na nike criando uniformes de futebol!!
Apesar da frustração de não ter podido concordar com a criativa sugestão daquele emprego no mínimo divertido (sou pesquisadora para quem ainda não sabe…), fiquei impressionada com o chute e a amplitude de áreas profissionais alcançadas pelo esporte e presentes na boca da garotada.
O mercado da moda esportiva está muito longe de ser uma novidade, todavia, é um fenômeno atual que fomenta uma indústria
gigantesca, milionária e influenciadora do cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo (todo mundo mesmo!!).
Hoje em dia, vestir-se de tênis, legging, top, camisa de time, shorts ou bermuda prescinde, inclusive, de uma rotina esportiva. É “casual” alguns diriam…
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Quando vestir-se da camisa de seu time é algo extremamente comum e relevante entre um grupo de pessoas, principalmente as brasileiras, era de se imaginar que tal conexão não se restringisse ao campo das experiências, mas também para um bom motivo para pesquisas, reflexões e estudos de quem se propõe a pensar os esportes, e no meu caso, o futebol.
As roupas das moças jogadoras
Na minha pesquisa de mestrado, o encontro com fontes fotográficas publicadas nos jornais da década de 1920 revelaram os descompassos das vestimentas usadas por garotas, todas pertencentes a uma elite e iniciadas nas atividades lúdicas durante as festas esportivas, cariocas e paulistas.
No despreparo de alguns jogos e brincadeiras para a recepção delas, observa-se as brasileiras brincando e competindo com sapatilhas, saias longas e claro, um belo bordado do brasão dos clubes da época no peito.
Fica nítida a diferença entre as mulheres presentes nas arquibancadas – sempre muito bem vestidas e com chapéus – e as garotas que contrariavam as regras e se iniciavam esportivamente já nos inícios do século XX (algo considerada não muito adequado para a época…)
Foram quase cem anos entre esses episódios e a produção de uniformes exclusivamente femininos para a seleção brasileira que defendeu a amarelinha em 2019 na Copa (Pasmem!).
Para quem nunca soube, as seleções da década de 80 e 90 reaproveitaram por anos camisas, shorts, meiões e até chuteiras do selecionado masculino. A craque e ex-atacante Roseli de Belo até brincou quando pode escolher entre as doações da CBF a camisa 11 do ex-jogador Romário!
Entre vestir-se adequadamente para um jogo de futebol, e, atender as expectativas masculinas sobre a roupa com que as jogadoras deveriam usar, passaram-se décadas de retrocessos, machismos e marginalização de um dos mercados sempre vívidos e crescentes: dos uniformes esportivos.
O que existe por ai sobre a moda esportiva?
Entre as minhas experiências de pesquisa no Museu do Futebol, tive a oportunidade de dedicar algumas semanas de 2016 conhecendo a fundo o mundo da moda do futebol.
Tal oportunidade foi fomentada pela parceria da instituição com a plataforma do Google Cultural & Arts que na época provocou inúmeras centros culturais e museus e elaborarem exposições virtuais dedicadas ao tema moda com o seus próprios acervos.
Estilo em Campo: acessórios, cores e tecnologia na moda do futebol foi uma das exposições que ajudei a organizar que mais gostei! A distinção dos uniformes, a criatividade de bordados e caps, as variações de tamanhos de listras na ausência de cores e o mais impressionante, a evolução do algodão e dos modelos de camisas.
Outra exposição produzida foi a Chuteiras: a evolução do futebol na ponta dos pés. Nessa oportunidade foi possível reconhecer a precoce associação de marcas esportiva com jogadores como voga nos idos do século XX.
De couro, bico de aço e pregos na sola, a Casa Clark e Sportman no Rio de Janeiro, assim como a Casa Fuchs em São Paulo, já vendiam respectivamente as “shooteiras à Marcos”, em homenagem ao o goleiro/modelo Marcos Carneiro de Mendonça, do Fluminense, e “shooteiras” Friedenreich, do atleta paulista e estrela do Club Athletico Paulistano.
Mas não tem como pensar em futebol no Brasil sem refletir sobre a influência do amarelo canário causado por nossa camisa nacional. A História da Camisa Canarinho: como o amarelo-ouro passou a vestir o Brasil revelou a história de um uniforme que diferente do que possamos imaginar, não surgiu junto com a nossa seleção masculina.
Foi preciso reinventar por cores a superação da seleção após a derrota da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã. Foi então realizado um concurso em 1953 para a escolha de um novo uniforme, agora com as quatro cores da bandeira brasileira.
A exposição mostra croquis, curiosidades da imprensa da época e reproduções de uniformes brasileiros e emblemáticos que colocaram para sempre Alcyr Garcia Schlee na história da nossa camisa. O rapaz foi na ocasião o vencedor do desafio proposto pelo jornal Correio da Manhã e a CBF.
Fora do mundo das exposições, e mais perto das pesquisas acadêmicas, recentemente foi lançada o dossiê Práticas corporais e moda esportiva: investigando sujeitos, roupas, performances, organizado pelos cientistas sociais Wagner Xavier de Camargo
(UFSCAR) e Elisabeth Murilho da Silva (UFJF).
O conjunto reúne artigos que tratam da relação entre roupas, práticas corporais e esporte a partir de temas como a propagação da prática do ciclismo no fim do século XIX e as roupas para a realização do esporte; a difusão das modas associadas a esportes a partir do audiovisual (cinema e telenovela); os usos e consumos dos uniformes esportivos e a performatividade dos surfistas de trem.
Ou seja, uma belezura só para quer pensar e problematizar o tema da moda no ambiente dos estudos dos esportes!
Eu mesma fui “picada” pelo assunto no mestrado. Tenho uma pasta digital com coleções sobre o assunto e em casa, uma gaveta inteira com “fardamentos” de futebol ganhos nos anos de pesquisa. Tem camisas que ganhei de times de várzea das diferentes quebradas de SP, de time feminino, indígena, nordestino e até do site Torcedores nesse final de ano!
Cada uma com a sua história, sua lembrança e sua peculiaridade!
Minha meta é colocá-las mais e mais em uso em 2020 e fazer do meu cotidiano, um verdadeiro desfile boleiro!
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